FOLHA DE SP - 12/07
O mercado gera segregação: reserva os melhores lugares às classes altas e expulsa os pobres para a periferia
A inspiração está estampada na sigla: o MTST quer ser o MST das cidades. O paralelo certo, porém, é com o MST das origens, três décadas atrás, quando o impulso do capitalismo agrário brasileiro produzia uma massa de trabalhadores destituídos no campo. De lá para cá, o chão social do MST desmoronou, sob os golpes do êxodo rural e dos programas de assentamentos dos governos FHC e Lula. Enquanto isso, alastrava-se nas metrópoles e cidades médias uma crise que atingiu seu paroxismo nos últimos anos. O tempo da reforma agrária distributivista passou na janela, e só o MST não viu. Mas a emergência do MTST sinaliza a necessidade de uma reforma urbana radical, que não pode ser mascarada pelos programas de construção de moradias populares.
O metro quadrado de um imóvel antigo no centro expandido de São Paulo vale mais que o de um apartamento novo no anel periférico da metrópole. A propriedade imobiliária urbana é uma mercadoria singular, pois seu valor decorre, essencialmente, da localização --ou seja, do grau de acesso que oferece aos bens e serviços da cidade. No seu funcionamento normal, o mercado imobiliário gera segregação urbana, reservando as melhores localizações às classes de alta renda e expulsando os pobres para as periferias. O MTST nasceu numa conjuntura de exacerbação desse movimento segregador.
Na economia de mercado, os centros expandidos das metrópoles experimentam uma tendência à gentrificação, ou seja, ao "enobrecimento" social. A expansão recente da economia brasileira e, em particular, do setor de serviços, acelerou esse movimento, que se expressa na valorização em ritmo especulativo dos preços dos imóveis e dos aluguéis. No Rio de Janeiro, a gentrificação é temperada pelo "colchão" de favelas da zona sul, que surgiu pelos caprichos da geografia e da história. Em São Paulo, a gentrificação não encontra obstáculos, difundindo-se do centro expandido para a zona leste e as franjas exteriores da zona oeste. O MTST não inventou os sem-teto, apenas conferiu-lhes visibilidade política.
Os dirigentes do MTST professam uma crença básica anticapitalista. Se conhecessem as cidades do socialismo, talvez mudassem de ideia: na URSS, na Alemanha Oriental e em Cuba, a tendência à segregação urbana somou-se à dilapidação inclemente das infraestruturas e residências, cristalizando cenários desoladores. O MTST almeja apropriar-se do comando dos programas de moradia social, como forma de estabelecer controle político sobre os próprios sem-teto. Contudo, só um cego pode negar que o movimento tem raízes reais e toca numa ferida aberta. Além disso, é um equívoco confundi-lo com o MPL: o MTST expele os "black blocs" de suas manifestações e dirige demandas legítimas ao poder público.
Todos (exceto os fanáticos do livre mercado) concordam que as cidades não podem ser moldadas exclusivamente pelas leis do mercado. O poder público opera na configuração das cidades por diversos instrumentos, especialmente por meio dos planos diretores. O problema é que, em São Paulo como nas demais grandes cidades do país, sucessivos planos diretores (inclusive este último) curvaram-se às forças do mercado imobiliário, reforçando o campo magnético da segregação urbana. Não é preciso aderir aos dogmas anticapitalistas do MTST para saudar a desarrumação que ele provocou no debate sobre o futuro de São Paulo.
No campo, os assentamentos só conseguiram esvaziar a demanda de reforma agrária porque as cidades funcionaram como válvulas de escape para massas de destituídos. Evidentemente, não existem válvulas de escape para os sem-teto, que se reproduzem em escala ampliada no compasso da inflação dos preços dos imóveis urbanos. Reforma urbana significa a reserva de vastas áreas destinadas à moradia social nos arredores dos centros expandidos das metrópoles. É hora de encará-la.
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