Inquieto com as pesquisas eleitorais, o ex-presidente Lula, patrono do atual governo, questionou publicamente o secretário do Tesouro a respeito da razão pela qual o governo aperta o crédito oficial "se a gente não tem inflação de demanda". Arno Augustin não respondeu, mas alguém deveria explicar a Lula que, se a inflação anual de serviços está rodando próxima de 9% ao ano quando a meta oficial é de 4,5%, é óbvio que existe inflação de demanda. Com a variação dos preços administrados próxima de zero, e dados os preços externos e a taxa de câmbio, a inflação só cairá no curto prazo se cortarmos a demanda por serviços. Sem ajuste fiscal, sobram elevação dos juros e contenção do crédito público.
Num prazo mais longo, é preciso criar condições para os investimentos privados em serviços não apenas serem ampliados, como terem como foco maior produtividade, inclusive porque o governo não para de expandir o gasto corrente. O ponto é: além do elevado peso no PIB, por sua natureza o setor de serviços é atendido basicamente pela oferta interna. Assim, se esta não cresce adequadamente, os estímulos de um modelo econômico como o nosso, puxado pelo rápido crescimento do consumo, produzem uma forte pressão sobre os preços de serviços, por conta dos aumentos salariais que são parte do mesmo processo. Não adianta forçar uma baixa artificial, como se fez com os preços administrados, a exemplo da energia elétrica, ou nos quais se interfere fortemente, como os pedágios e as tarifas de ônibus. Quando a hora da verdade chegar, os preços terão de ser realinhados e ocorrerá a velha "inflação corretiva". Ou seja, é preciso ampliar investimentos com redução de custos a médio e a longo prazos.
A princípio, na fase pós-2003, diante do elevado grau de capacidade ociosa existente, foi possível ao ramo industrial, onde os preços da maior parte dos produtos são dados externamente, pagar durante algum tempo os salários mais elevados que se originavam no setor de serviços, sem maiores demissões e outros ajustes.
Como a indústria compete com importados, uma hora tenderia a ceder espaço para a expansão dos demais segmentos, a não ser que conseguisse produzir mais com menos gente, o que não é fácil. Dito de outra forma, a maior demanda pelos majoritários serviços só pode ser atendida mediante ampliação da oferta interna, enquanto na indústria há a opção de importar do exterior. Daí a tendência natural, desde 2004, à apreciação real da taxa de câmbio, mecanismo pelo qual a reorientação setorial da economia se materializa. Trata-se da outra face de um mesmo fenômeno, ou seja, da mudança de preços relativos em favor de serviços e contra a indústria, acentuada posteriormente pelo tsunami de dólares que inundou os mercados brasileiros nos últimos anos. Só assim ingressam mais capitais externos para complementar a combalida poupança interna, corroída pelo modelo pró-consumo.
Até bem pouco a apreciação cambial vinha atenuando as pressões inflacionárias oriundas de serviços, mantendo o crescimento dos preços industriais em reais bem abaixo daqueles. Só que, inconformado com as perdas da indústria, o governo Dilma resolveu compensar seus azares forçando o Banco Central a subir a taxa de câmbio artificialmente em alguns momentos da fase mais recente, causando inflação. Além disso, criou políticas específicas de proteção à produção doméstica, desonerou tributos e ampliou maciçamente o crédito oficial, outra fonte de inflação e ineficiência. Finalmente segurou ainda mais os preços administrados, o que implica, portanto, remar contra a maré natural decorrente do modelo pró-consumo. O pior é que a indústria ficou e continua estagnada há meses, e a taxa de investimento (valor do investimento global dividido pelo PIB) não cresce mais há bastante tempo. Ou seja, em vez de brigar contra a contenção do crédito, Lula deveria dizer a Dilma que o modelo atual está esgotado.
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