O GLOBO - 12/06
O Brasil vai entrar em campo. Duplamente: como país-sede, e a seleção no seu primeiro jogo. Em 1950, 91,7% dos brasileiros vivos, hoje, não tinham nascido. Para 185,9 milhões dos 202 milhões, esta é a primeira competição no país. Das copas, cada um mistura suas lembranças. As minhas vão da alegria de sair correndo da escola para ouvir pelo rádio, em casa, à que vi dividida entre o amor ao time e o ódio ao regime militar.
Éramos muitos lá em casa e, em 1962, havia apenas um rádio. Perto dele disputávamos espaço. Eu era do time dos menores, com pouca chance de chegar perto do aparelho e nenhum entendimento dos dribles e jogadas. Mas o “gol do Brasil” eu sabia o que era. Desentendia os que o Brasil levava, porque, afinal, achava que éramos invencíveis. E fomos.
Em 1966, foi uma tristeza melancólica. Como acontecer tal fiasco e justo para inglês ver? Em 1970, foi a divisão radical entre sentimentos polares: torcer pela seleção amada ou rejeitar a propaganda maciça que misturava o regime ao time? Quem viveu aquela partição não se esquece. Hoje, sabemos que a tortura aumentava nas prisões em dias de jogos. A sensação que tenho até hoje é que quando saí, num fusquinha conversível, de um amigo alemão, para comemorar na Afonso Pena, em Belo Horizonte, eu vibrava e chorava na mesma intensidade. Eram os dois sentimentos presentes. Eu odiava aquele governo e amava aquela seleção. Como não amar?
A democracia garante a separação entre seleção e governo. Isso é civilizatório como a separação entre Igreja e Estado. Todos os desgostosos com qualquer coisa não precisam torcer hoje pela Croácia, mas, como é democracia, cada um é livre para fazer o que quiser. Ninguém dirá “ame-o ou deixe-o”. Que alívio.
Como demorou, depois de 1970, para erguemos novamente a taça! No caminho houve tristezas mais dolorosas que outras. Em 1982, meu filho Matheus não aceitou o resultado do jogo Brasil x Itália, e, numa demonstração precoce do amor que ainda tem pelo futebol, continuou a narração do jogo. Na sua versão, o Brasil marcava mais três gols contra a Azurra, depois do apito final. Até hoje prefiro aversão do Matheus para aquele jogo que terminava em 5, para nós, e 3, para a turma de Paolo Rossi.
Em 1994, o país estava vivendo vastas emoções. O luto por Ayrton Senna, a esperança numa nova moeda, a segunda eleição presidencial da democracia; a primeira terminara em impeachment. Tempo de definições e escolhas. Taffarel foi na bola. Era dele.
Em 2002, ao final do último jogo, eu quis escrever sobre a Copa. Era domingo, não tenho coluna às segundas. Liguei para Luiz Paulo Horta. Saudade daquele dia e do amigo querido. Disse que queria escrever sobre futebol. Luiz Paulo era de aceitar o inesperado com alegria juvenil. E, assim, me deixou sair do campo econômico e me escalou para o time dos articulistas que escreveriam sobre a inebriante vitória sobre a Alemanha. “E o título, Miriam?” Fiz uma escolha musical: Tão bonita manhã.
E assim chegamos no ano da graça de 2014. A Copa será aqui e há muita gente brava com os atrasos, os gastos, as escolhas dos governantes. Com a inflação alta, o baixo crescimento, o trânsito. As promessas não cumpridas. Difícil dizer que os descontentes não têm razão. Mas, hoje, vou vestir a camisa que meu filho Vladimir me deu e torcer com meus netos. Pela festa e pelo time. Para o exoesqueleto e os nossos jogadores. Ficarei ao lado da menina que saía da escola em disparada, subia voando a Rua João Pinheiro, cruzava a Rua Princesa Isabel até o número 100 e, uniformizada, entrava em campo sonhando com a vitória.
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