O GLOBO - 10/06
Lula sugere terapia equivocada para uma crise cujo agravamento começou no seu governo, quando se usaram problemas mundiais como álibi para acelerar gastos públicos
O ex-presidente Lula tem o dom da palavra. Formado nas assembleias de metalúrgicos do ABC ainda nos tempos da resistência à ditadura militar, no final da década de 70, o então líder sindical se adestraria ainda mais na campanha vitoriosa a deputado na Constituinte de 87 e chegaria ao Planalto, nas eleições de 2002, já doutor em oratória, depois de três derrotas consecutivas e incontáveis horas de palanques. Grande eleitor da presidente Dilma Rousseff, imposta por ele ao PT como candidata a sucedê-lo, Lula agora acelera a participação na campanha de reeleição da ex-ministra, num momento delicado do projeto petista de se manter no poder em Brasília.
A última pesquisa eleitoral, do Datafolha, manteve Dilma na liderança, com 34%, mas confirmou a tendência de queda da candidata, enquanto seu mais forte adversário até agora, Aécio Neves se estabilizava em 19%. Mais do que isso, pela primeira vez desde 2007, a proporção dos que acham que a situação da economia piorará (36%) superou o índice do grupo que não espera mudanças (32%).
O PT e Dilma, diante das dificuldades na economia, começam a precisar bastante da oratória de Lula. Na semana passada, em Porto Alegre, ela entrou em ação em dois momentos: a empresários e também a militantes do PT, o ex-presidente defendeu combate imediato à inflação — antes “de chegar aos 40 graus” — e, depois, em evento promovido pelo jornal espanhol “El Pais", aproveitou a presença do secretário do Tesouro, Arno Augustin, para conclamar o governo a expandir a oferta de crédito.
Mesmo sabendo que a política econômica não é de Augustin, mas da presidente e candidata Dilma, Lula, em tom de brincadeira, criticou a mentalidade de “tesoureiro do secretário" e o aconselhou a estimular o crédito.
Em certa medida, Lula usufrui da cômoda condição de comentarista da conjuntura. Apesar do peso político que tem, deve achar que pode defender o que lhe passa pela cabeça. Até ser contraditório ao pregar a luta anti-inflacionária e também mais crédito. Mas a terapia do pé no acelerador do crédito seria grave erro, pelo esgotamento desta via e também devido à própria inflação, elevada. Além de ampliar a já preocupante falta de confiança dos investidores.
Cabe, ainda, recordar que Lula é sócio dos atuais problemas da economia. Ele ainda era presidente, na virada de 2008 para 2009, quando o estouro da crise mundial foi usada como álibi pelo Planalto para arrombar os cofres públicos. Foi criado, por exemplo, um virtual orçamento paralelo para transferir recursos de dívida do Tesouro para o BNDES e outros bancos públicos. Aceleraram-se os gastos correntes, e continuou assim mesmo depois de afastado o risco da importação integral da crise externa. Criou-se, então, uma crise própria, a que aí está, contra a qual o ex-presidente sugere dobrar a aposta no voluntarismo. Só piorará, bastante, a situação.
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