sábado, maio 24, 2014

O pavor das greves - RONALD DE CARVALHO

O GLOBO - 24/05

Hoje, Lula sabe que não pode provar de sua própria recente herança. Atrás de si, não há ninguém para culpar. Dilma é seu poste


No movimento das greves há muitos medos, e o maior deles é o do próprio Lula.

Faz mais de dez anos que um diálogo entre um deputado e o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, na presença do então candidato a vice-presidente, José Alencar, dentro da cabine de um jatinho em voo para o Ceará, estabeleceria a lógica que garante que Lula não pode ser candidato à Presidência da República.

Colocar aspas em frases é tarefa ingrata, sobretudo para quem não as ouviu. Entretanto, tentarei reproduzir as sentenças, mais ou menos, como as lembra o deputado: “Meu maior medo é a volta da inflação. Na Presidência, preciso manter a moeda estável porque não saberia governar com trabalhador pedindo aumento de salário. Minha moral, como líder, foi comandando greve por salário, portanto, não posso combater greve. Brasil com inflação, eu não sei governar. Se a inflação voltar, todo o meu poder com os trabalhadores acaba.”

O desabafo de Lula foi grave e sincero, e mais que isso, absolutamente real.

Como apagar o passado, mesmo aquele onde ele ainda não reinava, mas já estava marcado para ser um grande protagonista? Como esquecer a primeira grande greve?

A greve geral dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema durou de 13 de março a 13 de maio de 1979, quando foi votada, em assembleia no Estádio de Vila Euclides, a proposta de acordo. Ela estabelecia, entre outras coisas, pagamento dos dias parados; aumento de 11%, conquistado pelos trabalhadores nas greves de maio de 1978; encaminhamento ao governo de estudos referentes à legislação do Fundo de Garantia e da estrutura sindical, da legislação de greve, da nova sistemática de representação sindical e do sistema de negociação coletiva. Estas foram conquistas reais de que Lula participou.

Deixou uma biografia de vitórias e povoada com admiradores de suas façanhas. Naquela época, tinha uma bonita história para contar.

Hoje, Lula sabe que não pode provar de sua própria recente herança. Atrás de si, não há ninguém para culpar. Dilma é seu poste; e ele, o eletricista do poste. Mas nada disso agora importa, pois, diante da inflação que sabe inevitável, não há tempo para desculpas. O povo cobrará na carne decisões que ele não poderá oferecer. Lula definitivamente não sabe liderar movimentos contra greves. Não há hipótese de Lula ser um negociador onde ele é patrão e mediador ao mesmo tempo. Sua máscara se transformará em farsante e cairá de pronto para o fantasma da cabine no jatinho entrar no corpo e assombrá-lo para sempre.

O Partido dos Trabalhadores e Lula sabem a enrascada em que se meteram quando confiaram uma missão política e administrativa a uma pessoa que não entende de política nem de administração, mas, agora, que fazer? Cortar os pulsos? Todos têm que aproveitar o fato de que os três postulantes ao Planalto estão na corrida do primeiro turno.

Há outra tentação de Santo Antônio que muito imaginam, mas que não é nem bom pensar.

Trair Dilma é uma prática que não passa pela cabeça de Lula e de ninguém de bom senso do PT. Este seria um lance de absoluto desequilíbrio político e de ignorância da alma humana. Não só uma enorme desmoralização para Lula e o PT, mas como uma perigosa brincadeira com fogo.

Mesmo as mais puras e cândidas almas não podem duvidar que Dilma Rousseff tenha guardadas, na gaveta esquerda do seu coração de rancores, lindas lembranças de muitos companheiros de outras vidas já vividas e jamais esquecidas.

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