O GLOBO - 12/05
Na prática, a busca por modicidade tarifária a qualquer custo acabou gerando o conhecido ‘barato que sai caro’
Na segunda etapa do Programa de Concessão de Rodovias Federais (PCFR), o governo anunciou uma nova era, na qual passaríamos a contar com um serviço de qualidade a preços ínfimos. Já em 2012, publiquei um livro intitulado “Infraestrutura: os caminhos para sair do buraco” (disponível em www.raulvelloso.com.br), onde demostrei que a “modicidade tarifária” alcançada não passou de aparência. O que aconteceu, de fato, foi a outorga de rodovias para empresas que acabaram renegociando os contratos, seja requerendo aumento do pedágio, seja reduzindo os investimentos. Na prática, a busca por modicidade tarifária a qualquer custo acabou gerando o conhecido “barato que sai caro”.
Em 2013, com alguns anos de atraso, várias idas e vindas e até o adiamento de leilões por provável falta de interessados, o governo conseguiu, enfim, destravar a terceira etapa do PCFR, transferindo à iniciativa privada quase cinco mil quilômetros. Para tentar evitar que as outorgas fossem entregues a empresas incapazes de cumprir os contratos, foram tomadas algumas precauções, como exigência de maior valor depositado em garantias e de capital social para os consórcios constituídos.
O que se teme agora não é mais o outorgado descumprir a promessa, mas o governo, ao longo do contrato, tentar impor tarifas de pedágio incompatíveis com o custo de provisão do serviço. Em primeiro lugar, devemos lembrar que esse é um risco inerente ao investimento em infraestrutura: uma vez incorridos os chamados custos afundados, a concessionária se encontra, em larga medida, presa ao investimento. Um governo oportunista pode fazer populismo tarifário com o intuito de obter dividendos eleitorais.
Infelizmente, há evidências de que o atual governo poderá assumir uma postura como essa. A primeira é a própria forma como vêm sendo tratados os preços administrados, com reajustes da gasolina, eletricidade e tarifas de ônibus em níveis inferiores à evolução dos custos.
Outras indicações estão em edital e contrato de concessões recentes. Destaque-se, em primeiro lugar, a proibição de apresentar um Plano de Negócios, onde se detalham as projeções de receitas e gastos das empresas. Sem ele, parâmetros importantes como o custo de construção de determinado trecho, a projeção de demanda e a taxa de retorno esperada são ignorados pelo regulador.
Criam-se, assim, situações potencialmente prejudiciais para as empresas. Por exemplo, se vier a ser constatado que não é mais necessário construir um trecho previsto em contrato, é o próprio órgão regulador que terá de determinar o custo da obra que não será executada, com o objetivo de recalcular o valor do pedágio. Da mesma forma, em caso de obras adicionais, a taxa de retorno será aquela estipulada pelo regulador. Se impuser uma taxa muito baixa, sem o Plano de Negócios a concessionária terá maior dificuldade de pleitear uma recomposição de margens na Justiça ou em cortes arbitrais.
Os contratos atuais também abrem espaço para decisões discricionárias por parte da agência reguladora (ANTT). O primeiro exemplo é o cálculo do custo de capital. Essa variável é importante, porque baliza a recomposição tarifária decorrente de realização de obras adicionais ou de fatores intervenientes que afetem as receitas do empreendimento. Apesar de haver estudo detalhando a metodologia de cálculo da taxa de retorno do capital , a Resolução ANTT nº 4.075, de 2013, dá à agência a prerrogativa de alterá-la sempre que for constatada mudança significativa nas condições de financiamento do setor.
O segundo exemplo é a introdução do chamado fator X nos contratos recentes de concessão. O fator X é um redutor de tarifa, cujo objetivo é capturar a parcela dos ganhos de produtividade e transferi-la ao usuário. Ocorre que os contratos limitam-se a prever a presença desse fator X, sem especificar qualquer metodologia de cálculo ou um teto para o seu valor.
A discricionariedade dada à ANTT, em um ambiente institucional precário como o brasileiro, reduz fortemente o poder de barganha das concessionárias. Isso abre espaço, em primeiro lugar, para negociações espúrias, com benefícios puramente individuais. Também facilita a adoção de comportamento oportunista por parte do governo. Se isso de fato ocorrer, o setor privado se sentirá mais reticente em participar de futuras concessões, exigindo, para tanto, tarifas mais altas com o objetivo de compensar o maior risco assumido. E o Brasil, mais uma vez, ficará sem a infraestrutura de que tanto necessita.
Na companhia de alguns colegas, apresentarei amanhã no Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos um trabalho atualizando livro de nossa autoria sobre concessões. Esse trabalho é parte do esforço maior de mostrar por que a situação fiscal se deteriorou fortemente e o modelo econômico em vigor está fadado ao fracasso, objeto de dois outros estudos. Também lançaremos um livro sobre energia elétrica. Todos eles estarão disponíveis na página acima mencionada.
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