CORREIO BRAZILIENSE - 14/05
No país do "pelo menos", onde é aceitável que crianças vendam balas nas ruas, pois isso tem o lado bom de elas não estarem roubando, o desleixo com a educação é cada vez mais proporcional ao comodismo e à falta de preparo e de vontade para enfrentar as dificuldades. A preferência tem sido pela complacência com a baixa qualidade, com a falta de capricho e até com certas desonestidades.
Em vez de corrigir, perdoa-se o erro. Aceita-se o tosco e convive-se com o grosseiro, pois dá menos trabalho que buscar soluções que poderiam enriquecer o conhecimento, estimular a gentileza, melhorar a convivência social e ajudar a predispor as pessoas às boas práticas cidadãs.
Em um país assim, pode-se esperar o absurdo em várias versões. E ele quase sempre ocorre. Apesar disso, não deixa de chocar a iniciativa da escritora de livros infantis Patrícia Secco, que trocou a missão de educar pela tarefa de produzir facilidades em vez de esforço, contornos e escapes em substituição ao aprendizado. Pior: fez isso com dinheiro público, captado pela lei de incentivos do Ministério da Cultura.
No mês que vem, quando a Seleção Brasileira pisar a grama da Arena Itaquerão, para inaugurar os jogos da Copa do Mundo, nada menos que 300 mil exemplares de uma versão adulterada do genial conto (novela, para alguns) O Alienista, obra de ninguém menos do que Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, serão gratuitamente distribuídos em todo o país, em escolas e bibliotecas.
A escritora teve a ideia de "traduzir" o texto de 1882, trocando palavras que ela e sua equipe consideram difíceis por outras mais acessíveis ao leitor atual. Ela afirma não ter visado seu público infantil, mas os jovens ou adultos que, embora alfabetizados, não têm interesse pela leitura de autores clássicos, simplesmente porque os textos contêm palavras que não conhecem.
Partiu, então, para uma adaptação que rouba do leitor, especialmente do menos letrado, a oportunidade de - ao divertir-se com a leveza do texto e as finas ironias do Bruxo do Cosme Velho (como o chamava Carlos Drumond de Andrade) - sair da leitura maior do que entrou. Afinal, mesmo nas histórias sem grande complexidade, como é o caso desse conto, uma das riquezas do autor é a propriedade da narrativa, a inteligência na escolha das palavras, a elegância nas abordagens.
Publicar um Machado sem essas características é empurrar um faz de conta sobre quem deveria e merece ser alvo de especial atenção: o leitor inexperiente, mas potencialmente apto a avançar, a aprender e, mais importante, a ampliar sua capacidade de pensar. Preferiram a autora e os gênios do Ministério da Cultura abrir mão da oportunidade de oferecer ao leitor anotações e até mesmo pequeno glossário que o ajudasse a transformar a escuridão em luz.
Em linha com a infeliz política do nivelamento por baixo, o desaforo de passar Machado de Assis a limpo vai atingir o também clássico e saboroso A pata da gazela, do cearense José de Alencar. Certamente não vão faltar aplausos. Afinal, no Brasil de hoje sobram letrados que acham bobagem conhecer a diferença entre ter e possuir, haver e existir, seguir e continuar.
Em vez de corrigir, perdoa-se o erro. Aceita-se o tosco e convive-se com o grosseiro, pois dá menos trabalho que buscar soluções que poderiam enriquecer o conhecimento, estimular a gentileza, melhorar a convivência social e ajudar a predispor as pessoas às boas práticas cidadãs.
Em um país assim, pode-se esperar o absurdo em várias versões. E ele quase sempre ocorre. Apesar disso, não deixa de chocar a iniciativa da escritora de livros infantis Patrícia Secco, que trocou a missão de educar pela tarefa de produzir facilidades em vez de esforço, contornos e escapes em substituição ao aprendizado. Pior: fez isso com dinheiro público, captado pela lei de incentivos do Ministério da Cultura.
No mês que vem, quando a Seleção Brasileira pisar a grama da Arena Itaquerão, para inaugurar os jogos da Copa do Mundo, nada menos que 300 mil exemplares de uma versão adulterada do genial conto (novela, para alguns) O Alienista, obra de ninguém menos do que Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, serão gratuitamente distribuídos em todo o país, em escolas e bibliotecas.
A escritora teve a ideia de "traduzir" o texto de 1882, trocando palavras que ela e sua equipe consideram difíceis por outras mais acessíveis ao leitor atual. Ela afirma não ter visado seu público infantil, mas os jovens ou adultos que, embora alfabetizados, não têm interesse pela leitura de autores clássicos, simplesmente porque os textos contêm palavras que não conhecem.
Partiu, então, para uma adaptação que rouba do leitor, especialmente do menos letrado, a oportunidade de - ao divertir-se com a leveza do texto e as finas ironias do Bruxo do Cosme Velho (como o chamava Carlos Drumond de Andrade) - sair da leitura maior do que entrou. Afinal, mesmo nas histórias sem grande complexidade, como é o caso desse conto, uma das riquezas do autor é a propriedade da narrativa, a inteligência na escolha das palavras, a elegância nas abordagens.
Publicar um Machado sem essas características é empurrar um faz de conta sobre quem deveria e merece ser alvo de especial atenção: o leitor inexperiente, mas potencialmente apto a avançar, a aprender e, mais importante, a ampliar sua capacidade de pensar. Preferiram a autora e os gênios do Ministério da Cultura abrir mão da oportunidade de oferecer ao leitor anotações e até mesmo pequeno glossário que o ajudasse a transformar a escuridão em luz.
Em linha com a infeliz política do nivelamento por baixo, o desaforo de passar Machado de Assis a limpo vai atingir o também clássico e saboroso A pata da gazela, do cearense José de Alencar. Certamente não vão faltar aplausos. Afinal, no Brasil de hoje sobram letrados que acham bobagem conhecer a diferença entre ter e possuir, haver e existir, seguir e continuar.
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