O Estado de S.Paulo - 01/04
A perda de competitividade da indústria brasileira tem recebido a atenção de empresários, acadêmicos e do próprio governo. O diagnóstico mais comum envolve um conjunto de fatores em nível agregado: impostos elevados, infraestrutura precária, altos juros e escassez de mão de obra. Os que defendem maior proteção da indústria oferecem remédios também no nível agregado: desvalorização do câmbio, tarifas de importação, incentivos tributários e subsídios.
Mas esse diagnóstico e conjunto de remédios ignoram um fato crucial: não só as várias indústrias diferem em termos do seu potencial competitivo, como também, dentro da mesma indústria, firmas diferem em termos de lucro e produtividade. Estudos em estratégia empresarial têm mostrado que quase a metade do retorno econômico das firmas é explicada por fatores específicos de cada firma, em vez do fato de pertencer a um dado setor e até mesmo país. Da mesma forma, é comum encontrar firmas que conseguem produzir, com os mesmos insumos, o dobro do que conseguem as empresas menos produtivas do mesmo setor.
Ou seja, sem desconsiderar a importância de fatores sistêmicos, que prejudicam a economia como um todo, há ganhos de competitividade que podem e devem ser perseguidos dentro das próprias empresas, independentemente do setor em que elas estão. Vejamos alguns exemplos de estratégias empresariais que têm sido adotadas.
A primeira se refere a como a empresa posiciona o seu negócio. Exceto no caso de grandes empresas em setores de commodities, com fontes naturais de vantagem competitiva e alta escala produtiva, é muito difícil para empresas industriais no Brasil competir com base de custos. Em geral, o Brasil não tem vantagens naturais em diversos setores de manufatura, especialmente os mais intensivos em mão de obra.
Para contornar esse problema, algumas empresas têm seguido estratégias de diferenciação: produtos inovadores, marca distinta e nível de serviço superior ao da concorrência. Ao oferecer produtos diferentes e melhores, as empresas conseguem diluir o impacto dos maiores custos por meio de um maior valor adicionado. Empresas como a Alpargatas e a Dudalina seguiram exatamente essa estratégia e conseguiram se destacar em setores que têm, no geral, perdido competitividade.
A segunda estratégia, ao contrário do que defendem muitos industrialistas, é inserir-se agressivamente em cadeias globais de produção. Grande parte do sucesso da Embraer se deve a uma eficiente articulação de supridores de classe mundial e à busca incessante de conquistar mercados exigentes no exterior. Não é difícil de imaginar o que teria acontecido caso a empresa tivesse colocado foco no mercado doméstico com uma abordagem de "conteúdo local".
Embora seja mais cômodo clamar por mais proteção, uma maior abertura via cadeias globais de produção permite obter competências distintas onde quer que elas estejam. Até a China, que agora vê seus salários domésticos aumentarem, passa a deslocar parte da sua manufatura para países da Ásia e da África com menor custo de mão de obra, preservando no país atividades mais sofisticadas de design e serviços.
Terceira, e não menos importante, estudos têm mostrado que a produtividade em nível de firma é muito afetada pelo uso de práticas gerenciais complementares como metas de desempenho, pagamento com base nessas metas e maior autonomia para os gestores otimizarem suas decisões. A Ambev, por exemplo, é conhecida por adotar esse conjunto de práticas, que ela busca disseminar e implantar em aquisições no exterior.
Obviamente, toda essa discussão não implica que nossos problemas sistêmicos devam ser esquecidos. O governo continua com a sua pendente lição de casa. Mas certamente os que desenharem estratégias inteligentes no nível de firma deixarão para trás aqueles que apenas ficarem de braços cruzados esperando por "balas de prata" para salvar a indústria.
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