O Estado de S. Paulo - 03/04
O rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) não surpreendeu a maioria dos analistas econômicos. De levantar sobrancelhas foi a reação de membros do governo federal e de um de seus consultores. Sem se aterem aos fatos que levaram ao rebaixamento, procuraram denegrir a imagem da S&P. É tática típica de petistas, a de atacar quem critica o que fazem.
Segundo o ministro Gilberto Carvalho, a "mesma agência que não conseguiu prever a crise que se abateu sobre os EUA e o mundo em 2008 agora tratou de rebaixar o Brasil. (...) Não dá para a gente se abater pela simples consideração de uma empresa que mal conhece o País e já errou tanto no mundo. No caso da crise americana, (...) essa empresa não conseguiu enxergar o risco que ali, sim, havia para o investidor".
De fato a S&P saiu-se mal naquela crise. Mas pesquisando na internet vi que ela foi fundada em 1860(!), que seu status corporativo atual data de 1941 e que em 2009 faturou a expressiva soma de US$ 2,6 bilhões. O site da empresa diz que tem escritórios em 23 países, e sei que há um no Brasil há tempos, não se podendo afirmar que o desconhece.
E mais: ter errado no passado não quer dizer que erra sempre. Se essa fosse a norma, não teria esse faturamento e poderia ter até quebrado. Ela existe, é grande, influente e o governo terá de suportá-la, queira ou não. Tanto assim é que seus representantes foram recebidos recentemente pelo ministro da Fazenda quando procuravam mais informações sobre as finanças do País.
Já o ministro Paulo Bernardo, usualmente ponderado, afirmou que "nem o mercado está levando a sério" (...) o rebaixamento, ignorando que esse mercado se antecipou a ele, conforme disseram analistas que nele atuam. E o ministro alertou para a coincidência entre a decisão da S&P e renovadas críticas ao governo pelo senador Aécio Neves, pré-candidato à Presidência da República. Ora, esse alerta até contribui para elevar o status político desse senador, pois indica que há gente do governo preocupada com ele.
Outra reação surpreendente foi a do também comedido economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que o noticiário aponta como consultor informal do governo federal: "Que significado isso tem? É coisa de estelionatários". A definição jurídica de estelionato não se aplica, mas mesmo tomando a afirmação metaforicamente, com o rebaixamento sendo coisa de trapaceiros ou enganadores, ela não se sustenta objetivamente. Belluzzo também usou o argumento do erro da S&P na citada crise. E enfatizou que a avaliação não fazia justiça às condições do superávit primário e da dívida pública do País.
Na mesma linha, o Ministério da Fazenda criticou a decisão como inconsistente e contraditória. Tomando-se inconsistente como sinônimo de incoerente, os dois adjetivos são essencialmente a mesma coisa. Mas inconsistência também significa falta de densidade, e não vejo nem esta nem incoerência na decisão da S&P.
Ela se sustenta, entre outros aspectos, nas conhecidas dificuldades do governo em mostrar melhores resultados, ainda que frágeis, no seu superávit primário, mais recentemente em face das perdas que a política governamental trouxe ao setor elétrico, que exigirão grandes recursos para serem cobertas. A questão fiscal é a central. Entre outras, há também o enfraquecimento das contas externas e o baixo crescimento da economia. Este, além de demonstrar que a política econômica não vem dando bons resultados, prejudica os números da avaliação, pois vários indicadores, como o superávit primário e a dívida pública, são tomados como proporção do produto interno bruto (PIB). Se este fosse maior, eles seriam melhores.
Em retrospecto, há até aspectos da decisão que favoreceram o governo, e que ele não reconheceu devidamente. A S&P rebaixou a nota brasileira em apenas um degrau. Mais um e o País perderia o chamado grau de investimento. Numa das implicações, isso afastaria investidores institucionais que seguem a regra de só aplicar recursos em países com esse grau. A decisão da S&P deveria ser vista como advertência, pois se o governo não se arrumar a perda desse grau pode vir na próxima avaliação.
E o anúncio do rebaixamento veio bem antes das eleições. Se bem próximo delas, o dano teria sido maior, porque a notícia poderia ganhar maior repercussão em face do clima eleitoral. Ademais, o comportamento do mercado financeiro na sequência do anúncio não revelou maior impacto. Conforme já assinalado, esse mercado já havia "precificado" a perspectiva do rebaixamento por causa de questões objetivas como as apontadas acima e de outras de seu conhecimento, como a tal "contabilidade criativa" a que o governo tem recorrido para disfarçar maus resultados na área fiscal. Tal contabilidade é também destrutiva da credibilidade que os agentes econômicos depositam no governo.
Há quem veja essa queda de credibilidade demonstrada mais recentemente de forma peculiar, pois a Bovespa andou reagindo positivamente a cada boato ou fato de que o prestígio da presidente Dilma Rousseff vem caindo entre a população. Mas nesta altura do processo eleitoral isso não deve ser tomado a sério, porque o mercado é propenso a especulações que visam o lucro. A oposição não se deve iludir com esses movimentos. Mesmo com o rebaixamento e outros tropeços, a presidente Dilma permanece favorita. Esta é questão a enfrentar realisticamente, ao contrário do que fez o governo ao encarar a decisão da S&P.
Voltando às críticas à mesma agência, quando ela atribuiu o grau de investimento ao País, em abril de 2008, ninguém do governo se lembrou dos equívocos da S&P ligados à crise, que vieram à tona já em 2007. Na ocasião o Brasil mereceu o grau, mas se não quiser perdê-lo o governo faria melhor se refletisse sobre seus próprios erros.
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