O Estado de S.Paulo - 14/04
O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, é um livro sobre a inutilidade da espera. Giovanni Drogo, o protagonista, passa a vida se preparando para uma batalha decisiva, que dará sentido a tudo, mas que não acontece. Aqui também, à nossa maneira, esperamos por um grande acontecimento. O ano de 2014, pelo menos na economia, parece já ter terminado. Viveu pouco, coitado, menos de um trimestre. Nada de importante acontecerá daqui em diante.
A inflação anualizada deve estourar o teto da meta nos próximos meses, caindo um pouco a partir de então. Fechará acima do ano passado (5,9%), mas abaixo de 2011 (6,5%). O crescimento será pífio, mais uma vez abaixo de 2%, bem menos que os 3,6% previstos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para o aumento do PIB global. Nos quatro anos de mandato da presidente Dilma Rousseff, o produto terá crescido menos de 8%, ante 14,4% de crescimento mundial. Estamos ficando para trás.
Aguardamos a redenção para 2015. Os mais animados imaginam que, sem o constrangimento imposto pelas eleições, o novo governo - principalmente se houver alternância no poder - terá disposição para pôr em marcha um amplo programa de reformas capaz de lançar o País numa rota de crescimento acelerado. Será mesmo?
São de duas naturezas os embaraços que o novo governo terá de deslindar no próximo ano. Há, em primeiro lugar, o legado do governo Dilma. A atual administração já não tem mais pejo em admitir que manobra para segurar os preços da energia elétrica e da gasolina até o próximo ano. Apenas esses dois itens pesam quase 8% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e a correção da sua defasagem poderá custar, considerando os efeitos indiretos, quase dois pontos porcentuais na inflação. A correção desse atraso exigirá juros mais elevados, que pressionam o déficit nominal, o que demandará um esforço genuíno de contenção de gastos - já que as promessas esgotaram seu poder de iludir. Não será simples desarmar essa armadilha. Mas isso apenas corrige distorções recentes. Impede o desmantelamento da economia, mas não nos coloca na rota do crescimento. Se quisermos ir adiante e crescer em compasso com os países emergentes, é necessário mais, muito mais.
É aqui que nos defrontamos com o segundo "imbróglio": não mais os equívocos do governo Dilma, mas os gargalos estruturais que impedem que o País decole, já que as condições internacionais favoráveis que prevaleceram no governo Lula não mais se repetirão.
É consensual hoje a ideia de que, sem capacidade ociosa e com baixo nível de desemprego, a aceleração do PIB nos próximos anos dependerá do aumento da produtividade. Isso implica recuperar a capacidade de investimento do Estado. É aqui que a coisa pega. Em tese, do ponto de vista de um marciano, existiria a alternativa de aumento da carga tributária. Mas isso não tem sentido nem viabilidade, já que trabalhamos mais de quatro meses por ano apenas para pagar impostos. Em 2012, a carga tributária brasileira já era 17 pontos porcentuais acima da média da América Latina e também superior à dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Há quem pense, alternativamente, num choque de gestão que reduza o desperdício e recomponha a capacidade de gasto. Melhoria da eficiência é sempre bom, mas o resultado será marginal e a conta não fecha. Corte dos juros também é lembrado por alguns nefelibatas. Gastando menos com juros pode-se gastar mais com coisas úteis, pensam. Mas essa aventura é tola. A experiência com os cortes iniciados em 2011 mostrou que os juros não são altos por maldade do Banco Central e que uma redução injustificada cobra alto custo em termos de inflação.
Um avanço significativo na produtividade geral da economia está na dependência de reformas estruturais que reflitam um projeto nacional voltado ao crescimento. Isso, por sua vez, não será possível sem uma discussão ampla que avance na direção de uma mudança no pacto social que contratamos há tempos, o que implica, entre vários outros exemplos, a reforma na Previdência Social, a desindexação da economia, a modernização da legislação trabalhista, a mudança nas regras de reajuste do salário mínimo e a adoção incondicional da meritocracia no sistema educacional.
Entre 2003 e 2013, pelas contas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), para uma inflação acumulada de 87%, as despesas do INSS subiram 711% e o custeio de programas sociais teve aumento de 995%. Ao mesmo tempo, o superávit primário necessário para garantir a solvência de longo prazo da dívida pública aumentou para 2,5% do PIB. É preciso economizar mais, mas o disparate é que também é preciso gastar mais e melhor.
Nem quem acredita em duendes imagina que temas espinhosos como este poderão frequentar os debates eleitorais. Também é questionável se um novo governo terá audácia e liderança para conduzir este projeto, até porque nosso presidencialismo de coalizão lhe corta as asas. Daí decorre que qualquer alteração de fundo que crie condições para o crescimento acelerado também pressupõe mudanças no acerto político que transforma o exercício de poder num mero leilão de cargos e favores em troca de apoios circunstanciais e efêmeros.
A conclusão é simples e desagradável: estamos empacados e nada acontecerá em 2014. Mas, se não iniciarmos agora uma discussão profunda que redefina prioridades para o uso dos recursos públicos, nada também acontecerá nos próximos anos. Não estamos fazendo piquenique à beira de um vulcão. O que nos ameaça não é uma crise, mas uma pegajosa mediocridade. Ou seremos capazes de engendrar um novo pacto social que sustente um vigoroso crescimento ou ficaremos presos por longo período na armadilha que combina baixo crescimento e inflação alta. Como Giovanni Drogo, esperaremos em vão.
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