O GLOBO - 07/04
Aos assentados da reforma agrária devem ser fornecidas as condições para que possam gerar renda por si mesmos, consoante com os mecanismos de uma economia de mercado
Se o Brasil não cansa de nos surpreender com más notícias, não é esta a razão de também não sublinharmos o que nele acontece de melhor. Durante anos, o Incra foi considerado como uma espécie de patinho feio da administração federal por posições ideológicas que o afastavam da realidade. Hoje, intervém uma mudança necessária, onde o setor agrário do governo passa a se pautar por motivos de ordem técnica. Não é pequena a transformação. Ganha o país e ganhamos todos nós.
O Incra está atualmente assumindo a posição que lhe compete de órgão incumbido da gestão territorial do país. Não há país moderno e desenvolvido que careça de tal política. E isto no contexto de sermos, hoje, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, detentores de uma invejável biodiversidade. Neste sentido, acordo para levar a cabo tal projeto já foi assinado com a Embrapa Gestão Territorial, visando à qualificação da governança fundiária.
A modernização segue célere o seu curso. Já há cem milhões de hectares georrefenciados no país, com uma precisão de 50 centímetros. A base de dados é totalmente digital, de modo que as inseguranças jurídica e cartorial características do passado começam a ser, mesmo, coisa do passado. Este era um grande nó do setor rural.
Imaginem a segurança de uma transação comercial ou do direito de propriedade quando os intervenientes já não mais precisarão se preocupar com a sobreposição de títulos de propriedade. Eram os chamados “andares” de registros que continuam existindo nas áreas ainda não georreferenciadas. Grilagem, por exemplo, também passará a ser equacionada. Fraudes serão evitadas. O ganho é enorme.
A conquista de autonomia de um produtor rural merece ser igualmente destacada, pois os seus trâmites burocráticos são sensivelmente reduzidos. Agora, com o sistema digital estabelecido, esse produtor faz ele mesmo o seu processo de cadastramento, que é, posteriormente, certificado eletronicamente pelo Incra.
Terminou o balcão das idas e vindas de documentos, com a perda inestimável de tempo. A sua resposta é on-line, com eventuais erros sendo apontados, assim como formas de sua correção. Havia aqui um calvário administrativo, que começa a ser definitivamente superado. Trata-se de uma medida de desburocratização.
Para se ter uma ideia da modernização em curso, em apenas 90 dias de 2014, foram certificados mais de dez milhões de hectares, o que corresponde a mais do que a média anual dos anos anteriores. Doravante, tudo será virtual no cadastro rural. A declaração de propriedade será totalmente digitalizada, via formulários eletrônicos. O proprietário poderá mesmo fazer a atualização do seu cadastro através da internet. Isto muda completamente a vida do empreendedor rural.
Do ponto de vista do país, ele passará a contar com um poderoso instrumento de controle do território, sendo ele um elemento essencial da soberania nacional. Passaremos a saber quem ocupa o território e qual a dimensão das terras ocupadas, assim como a sua função produtiva central, sem nenhum viés ideológico. Qualquer país avançado possui tal tipo de sistema nacional de gerenciamento de seu território.
Da mesma maneira, haverá acesso digital a uma base de dados que nos permitirá ver com precisão as áreas de floresta amazônica, pastagens, áreas protegidas, culturas anuais, culturas permanentes, cidades, rios, lagos, estradas, florestas plantadas e outros, assim como, mais especificamente, territórios indígenas, quilombolas e áreas de preservação ambiental. Monta-se, portanto, todo um sistema de inteligência territorial estratégica.
A reforma agrária ganha igualmente um novo enfoque, mais voltado para a qualificação dos assentamentos. Não se trata somente de responder à demanda pela demanda, como se desapropriações e compras de terras resolvessem os problemas. Não há mágica. Já são sobremaneira conhecidos os assentamentos que se tornaram favelas rurais, o que chegou a ser reconhecido pela própria presidente da República.
A abordagem deve ser outra, o que, por si só, representa um enorme avanço. Os assentamentos devem ser qualificados, em áreas que garantam a sua sustentabilidade. Assentados deveriam, no imediato, se tornar agricultores familiares ou pequenos agricultores, emancipados, com seus respectivos títulos de propriedade. Cidadãos autônomos no pleno uso de suas responsabilidades. Não podem mais ficar indefinidamente tutelados, confinados a uma política de tipo assistencialista.
Para que esse objetivo possa ser alcançado, é da máxima necessidade que esses assentamentos sejam capacitados de condições técnicas, logísticas e creditícias favoráveis, sem o que a sua qualificação não poderá ser atingida. Aos assentados da reforma agrária devem lhes ser fornecidas as condições para que possam gerar renda por si mesmos, consoante com os mecanismos de uma economia de mercado.
O país precisa ter um olhar de conjunto de seu território. Se há demandas por terras no Sul, isto não significa que elas não possam ser atendidas em outras partes do país, onde há terras disponíveis. O diálogo tem de ser estabelecido, sem o que o risco consista em uma mera recaída em disputas ideológicas que em nada avançam.
A discussão que frequentemente vem à tona, relativa ao número de assentamentos realizados pelo governo Dilma, como sendo inferior ao do governo anterior, por exemplo, termina desvirtuando a atenção do que é realmente relevante, a saber, não a mera quantidade, mas sim a qualificação daquilo que está sendo feito.
Tal política termina incluindo, para que um novo ponto de partida possa ser estabelecido, a renegociação das dívidas dos assentados, para que possam, desta maneira, se colocar na posição de novos agricultores. Isto significa a renegociação da dívida de 12.000 famílias. Tornam-se, neste sentido, novos agentes ativos.
Sem viabilidade econômica, não há como os assentamentos vingarem. Uma gestão moderna do território deve levar isto necessariamente em consideração.
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