O GLOBO - 23/02
Com a denúncia, fica mais uma vez evidente como atentado e outros eventos clandestinos organizados no fim do regime militar não eram ações oficiais
A nova movimentação do Ministério Público Federal, denunciando cinco militares reformados como autores e organizadores em 1981 do atentado a bomba no Riocentro — ação esta perpetrada de maneira clandestina e conspiratória contra a abertura política iniciada no governo do general Geisel e continuada na gestão do general Figueiredo —, traz à luz uma questão importante sobre como interpretar o período de regime militar instaurado em 1964.
Com a denúncia, fica mais uma vez evidente como o atentado do Riocentro e outros eventos também clandestinos que foram organizados no fim do regime militar decididamente não eram ações oficiais, e que estes foram colocados em prática por setores ultrarradicais ligados ao regime militar, grupos formados por civis e militares que se posicionavam contrários à volta ao regime democrático. Dentre estes, por exemplo, o Comando de Caça aos Comunistas, a Scuderie Le Cocq, o Grupo Secreto, entre outras organizações que atuavam, no limite, também em uma perspectiva paramilitar.
É interessante notar que ações radicais como as do Riocentro acabaram se configurando mesmo como um castigo àqueles que conceberam o movimento de 64 como um processo alvissareiro para a preservação da democracia no país e que em função deste projeto apoiavam uma agenda revolucionária que iria impedir a instauração do comunismo por estas bandas, principalmente em um período marcado pelo aprofundamento das chamadas fronteiras ideológicas e do acirramento da lógica da Guerra Fria nos países latino-americanos.
Em uma panorâmica de hoje, vê-se que estes idealistas anticomunistas que apoiaram a chamada “Revolução de 64” — também conhecida como “A Redentora” —, cada vez mais frustrados ficam ao perceberem que as presumíveis boas intenções alardeadas no início do regime militar desaguariam, anos depois, em violência e barbárie.
Sobre isso não custa lembrar que, no espaço de espetáculo do Riocentro, onde teria ocorrido a explosão do artefato, havia, naquele momento, mais de 20 mil pessoas aguardando pelo início de um show; em sua maioria, jovens.
O atentado serviria, então, exclusivamente, como uma estratégia de contrainformação utilizada com a intenção de confundir a opinião pública brasileira de que o atentado fora planejado por grupos ligados aos movimentos da esquerda radical armada.
Também é senhor deixar claro que episódios como o do Riocentro devem ser compreendidos como ações extraoficiais e, preocupantemente, ilegais; desta feita, devem, sim, ser considerados como crimes contra o Estado, contra a ordem republicana, contra a sociedade brasileira e, por finalmente, contra a pátria, como traz a denuncia do Ministério Público Federal.
Mais uma vez, os críticos do golpe de 1964 se assustam com o nível de violência e desmando que a própria estrutura oficial do regime criou. E, ao mesmo tempo, uma vez mais os grupos civis e militares que apoiaram diretamente o regime instaurado em 1964 se dão conta de que ajudaram a encubar o “ovo da serpente”.
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