O GLOBO - 23/02
Números diferentes são apresentados pelos bancos sobre o custo das indenizações aos poupadores tungados em planos econômicos. A divergência espanta, mas o tamanho da conta depende das variáveis que estarão na decisão do Supremo, se ele der ganho de causa aos poupadores. Há números que vão de R$ 23 bilhões a R$ 341 bilhões. O Banco Central fala em R$ 150 bilhões.
Este é mais um capítulo de um passado que nunca parou de assombrar o Brasil. Famílias perderam; bancos dizem que cumpriram a lei. Algumas pessoas que entraram individualmente ganharam, outras estão ganhando. Mas o que os bancos realmente temem são as ações coletivas: as Ações Civis Públicas. Os números foram calculados por consultorias contratadas pelos bancos, entre elas a LCA. Difícil aferir cada número, mas é fácil entender por que há vários números. É que tudo depende da decisão do STF.
O que não é aceitável é o argumento do memorial ao Supremo em que os bancos dizem que não houve perda para os poupadores, nem no Plano Collor. Que teria havido até um ganho de 37% nesse que foi o mais lesivo dos planos.
Em um argumento, os bancos têm razão: eles tiveram que cumprir o que estava determinado pela lei da época. Murilo Portugal, presidente da Federação dos Bancos, afirma que nenhum banco pode remunerar a caderneta de poupança de maneira diferente da que o governo estabelece. Nem antes, nem agora.
“Os bancos cumpriram o que foi determinado. As cláusulas não estavam abertas aos contratantes para que eles pudessem negociar um outro índice de remuneração”, diz.
O poupador vê as mudanças dos índices de correção nos planos Verão, Bresser, Collor e Collor II e calcula que perdeu dinheiro. Quanto vai custar? Aí é que começa a confusão. Tudo vai depender da Justiça.
Houve ações individuais. Os bancos já perderam e pagaram R$ 7,2 bilhões. Para as que ainda tramitam, as instituições financeiras já provisionaram R$ 8,3 bilhões. Isso é uma parte pequena da conta. A maior parte é das Ações Civis Públicas.
“Há dúvidas assim: quando começa a contar os juros de mora? É do momento que a ação foi proposta ou do momento em que o banco foi citado, após o julgamento da ação? Há a dúvida territorial. As ações só valem nos seus Estados ou têm alcance nacional?”, questiona.
Há mil Ações Civis Públicas, mas há uma interpretação do STF de que nas ações coletivas o prazo de prescrição é de cinco anos. Se valer isso, só 37 entraram no prazo. Foi com base nessas 37 que os consultores fizeram os cenários.
Se forem apenas as ações locais e sem juros de mora, a conta é de R$ 23 bilhões. Se foram aceitas ações locais, mas com juros de mora, a conta sobe para R$ 61 bi. Se todas tiverem abrangência nacional, mas sem juros de mora, o cálculo vai para R$ 128 bilhões. Mais ou menos o número que o BC trabalha. Se houver juros de mora e além disso todas as ações tiverem alcance nacional, o número, segundo a LCA, é R$ 341 bilhões.
Muita gente não entrou na Justiça, pessoas morreram, bancos quebraram, quase ninguém guardou o extrato. O que aconteceria se o Supremo decidisse que todos têm direito ao ressarcimento?
“Os bancos serão obrigados a entregar o extrato, inclusive os que no Proer absorveram outros bancos. Em caso de morte do poupador, herdeiros podem requerer também esse ressarcimento”, diz Murilo Portugal.
Seja qual for a decisão da Justiça, o Brasil precisa virar essa página. Esses planos fracassados fizeram correções arbitrárias nas aplicações financeiras: trocaram indexadores, mudaram a forma de cálculo da inflação, e, no Collor, houve até a desapropriação temporária do dinheiro das famílias e firmas.
Se os poupadores perderam, os bancos ganharam? Eles dizem que não, porque tiveram que usar o mesmo critério para os seus devedores de crédito imobiliário.
Mais da metade da conta terá que ser paga por duas instituições públicas, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
Não é fácil essa decisão sobre um passado complicado, tortuoso, cheio de regras conflitantes e do qual nos livramos há 20 anos quando o Plano Real fez o país entrar em nova era. A origem da confusão foi a correção monetária inventada pelo governo militar. O passado inflacionário volta nas próximas semanas a ser discutido no STF em um mar de números de assombrosa complexidade
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