O GLOBO - 17/08
Enquanto o Brasil se imobiliza no Mercosul devido à Argentina, o mundo acelera acordos bilaterais que retiram espaço das exportações do país
O jornal inglês “Financial Times” noticiou no último domingo que o Brasil já admitiria fechar um acordo comercial com a União Europeia, à margem do Mercosul. Logo na segunda, “O Estado de S. Paulo” trouxe firme desmentido do Itamaraty, para que não pairem dúvidas no principal aliado no bloco, a Argentina, à qual a diplomacia companheira subordinou o destino comercial brasileiro.
Se não há mesmo qualquer intenção de forçar um acordo bilateral com a UE, deveria. Pois, ao lado de razões ideológicas, o curso da crise política, institucional e econômica da Argentina impulsiona o aliado a radicalizar o modelo autárquico, protecionista.
O modelo seguido por Cristina Kirchner deverá ficar emparedado com as eleições parlamentares de outubro, conforme sinalizaram as primárias no último fim de semana. Eleições presidenciais para a troca de inquilino na Casa Rosada, porém, só ocorrerão em 2015. Salvo precipitações decorrentes do agravamento da crise, sempre possíveis no caso da Argentina.
Enquanto isso, no comércio mundial, acordos bilaterais se multiplicam. A cada um deles, a depender dos mercados que se aproximam, as exportações brasileiras perdem espaço, em nome da solidariedade com o kirchnerismo.
Em artigo publicado na “Folha de S.Paulo” no fim de julho, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues expôs o perigo que corre o Brasil por ficar imóvel, num bloco comercial protecionista, enquanto, por exemplo, os Estados Unidos já negociam um acordo com a UE.
Se chegarem a um acerto, será a maior área de livre comércio do planeta. As trocas de mercadorias e serviços chegarão a US$ 2 trilhões anuais, pouco menos que o PIB brasileiro. Serão 800 milhões de pessoas, com elevado poder de compra.
O problema é que farão parte do acordo produtos que o Brasil exporta, e nos quais tem como concorrente os Estados Unidos: soja e carne, para citar dois. Segundo Roberto Rodrigues, 23% das exportações agroindustriais brasileiras vão para a Europa. Para os Estados Unidos, 7,3%, incluindo o café, também exportado pelos europeus para os EUA, já processado (torrado e moído). É fácil imaginar as perdas brasileiras caso os dois lados do Atlântico Norte abram ainda mais suas fronteiras comerciais, com preferências de lado a lado.
O abraço entre Brasil e Argentina parece de afogados — afundam juntos. Começa a haver a suspeita de que o Brasil pode cometer o mesmo erro do governo Lula: rejeitar sequer discutir com os americanos a Alca e jogar todas as esperanças na Rodada de Doha, enfim fracassada. Pode ser que a boia de salvação da vez seja a tentativa do novo diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, de reabrir as conversação de Doha, de liberalização global do comércio, no fim do ano. Seria muito bom, mas não é certo.
O tempo passa e a solidariedade ideológica amarra o Brasil. Vai ter um preço para toda a sociedade brasileira.
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