O plebiscito surgiu como proposta numa hora de tumulto do país e pareceu a alguns uma forma de a presidente fugir de problemas; a outros, uma forma de tirar força do Congresso. Para o ministro Joaquim Barbosa, independentemente do contexto em que apareceu, a ideia de haver mais plebiscitos e referendos no país é boa. "É uma forma de revigorar a democracia."
O argumento de Barbosa na entrevista que me concedeu - veja na editoria País - foi que assim que se falou em "plebiscito" o país foi atingido por uma "demofobia" (medo do povo). Esse medo de que o povo não entenda ou não saiba escolher não se justifica, segundo ele, porque, explicado bem, tudo pode ser entendido. E na consulta basta formular bem a pergunta:
- Ouvir o povo é sempre uma boa ideia, dar a palavra ao povo. Quantas democracias têm plebiscito e referendos frequentemente? Nos Estados Unidos, França, Itália. Na União Europeia, as adesões aos sucessivos pactos foram feitos através de referendos.
O presidente do Supremo já vem dizendo que o sistema eleitoral brasileiro tem que ser alterado, acabando-se com a fórmula atual do cálculo de sobras, que permite que um candidato com muito voto eleja políticos quase sem voto; pensa que o suplente tem que ser eliminado e propõe, no lugar, que haja eleição em caso de morte de senador, por exemplo:
- Os TREs estão preparados para fazer rapidamente uma nova eleição parcial.
Ele define como "abominável" o sistema de lista fechada, mas usa o mesmo adjetivo para o sistema atual, em que os partidos, sem qualquer transparência, aproveitam-se das sobras do quociente eleitoral:
- É uma burla da vontade do eleitor, que votou em alguém e vai eleger mais quatro ou cinco políticos escolhidos pela cúpula do partido.
Ele é um defensor do sistema distrital, convencido de que resolveriam esses problemas que ocorrem hoje na democracia brasileira:
- O sistema distrital é mais transparente, expressa mais a vontade do eleitor e cria a identificação direta do eleitor com o eleito.
Sobre os Tribunais Regionais Federais, cuja criação ele decidiu suspender, a explicação que deu é que isso é rotineiro. Atribui as críticas à falta de informação sobre como funcionam as instituições. Decidir nas férias dos ministros é uma prerrogativa do presidente, explicou. Depois, o assunto volta ao ministro para o qual foi distribuído. Mas, já entrando no mérito, ele diz que o Judiciário brasileiro tem garantias contra interferências políticas. O risco de aceitar que o Legislativo crie tribunais é que ele pode querer também suprimir.
- Permitir que políticos interfiram de alguma maneira criando ou suprimindo tribunais é abrir as portas para a fragilização do Judiciário. Isso, a sociedade não quer, e a Constituição não permite.
Lembrei que ele votou no presidente Lula e na presidente Dilma e foi escolhido por Lula, mas, mesmo assim, teve que fazer o voto que levou à condenação de lideranças fundamentais do PT. Quis saber se havia sido doloroso para ele. Ele respondeu com segurança:
- Nem um pouco, ali eu estava cumprindo meu dever, como sempre cumpri nestes 39 anos e meio de serviços ao Estado brasileiro. Como é o presidente que nomeia os ministros, ele não pode escolher um amigo, ou um cupincha, um subordinado. Ao contrário, tem que escolher alguém com postura de estadista. Alguém que vai encarar um processo como esse de maneira mais natural. Eu não tomo conhecimento, ignoro a qualidade e as condições das partes que estão sendo julgadas. Uma das tragédias do Brasil é a justiça criminal de classe.
Pedi que ele apontasse um dos problemas do Brasil, e ele disse que é o mesmo que outros países: falta de líderes e visão de longo prazo. O mundo inteiro está com falta de lideranças, na sua opinião. Acha que no Brasil o problema surge da ditadura, que criou um vácuo, e do sistema político eleitoral, que tem impedido o surgimento dessas lideranças. Pessoas que poderiam ir para a política, mas se perguntam: por que vou me meter nisso? Por que vou frequentar esse tipo de gente?
Por isso ele acha fundamental modernizar o sistema político. A longa entrevista na Livraria da Travessa, no Rio, foi interrompida por pessoas que estavam por perto. Uma vez, por um crítico; outras três vezes, por pessoas que disseram que votariam nele.
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