domingo, julho 28, 2013

Autoajuda para jovens cantoras - ADRIANA CALCANHOTTO

O GLOBO - 28/07

Aprenda a maquiar-se no escuro. Nos primeiros anos de sua gloriosa carreira, dificilmente os camarins terão iluminação adequada, no caso de haver alguma. Quando, enfim, começar a frequentar camarins com mais e mais lâmpadas, tapetes cada vez mais espessos e espelhos bisotados, provavelmente não estará enxergando quase mais nada. Maquie-se no escuro, com o carro em movimento, se não for você a motorista, mas treine.

Fernanda Montenegro, quando perguntada sobre o que diria aos jovens aspirantes à vida no palco, diz:

— Os primeiros dez anos da carreira são muito difíceis mesmo, muito duros. Depois disso é que tudo só piora.

Multiplique por cem esta dica. Você vai gastar uns dois terços da sua vida respondendo às mesmas perguntas, em vez de estar estudando ou ensaiando ou criando qualquer coisa. Quando lançar um trabalho novo só responderá sobre quando é que sai o próximo e assim sucessivamente.

Críticos de música são críticos, não espere elogios ou adjetivos e sobretudo não espere que eles se informem sobre o seu trabalho antes de dizer que o melhor para a música popular brasileira seria você voltar para a sua terra natal e desistir, de vez, de cantar. Recebendo excelentes críticas, muito bem escritas, entendendo o que você está propondo, não dê tanta importância (as negativas sempre farão muito mais por você).

Nunca saia de um camarim ou quarto de hotel sem deixá-lo melhor do que o encontrou. Se não houver lata de lixo invente uma. Quando for embora, apague as luzes, o planeta agradece. Se os camarins dos músicos estiverem no seu caminho, apague as luzes também (se já tiverem saído, é claro, e se não houver ainda cuecas, meias e figurinos jogados no chão, parecendo um tapete dos irmãos Campana). No hotel, deixe uma gorjeta com um bilhetinho para a camareira quando for embora. Ela pegou no mínimo dois ônibus, deixou os filhos e, talvez, um marido bêbado, de quem ela apanha, para limpar o seu banheiro. Tenha em mente que você é uma peça da engrenagem, não a máquina. Se os carregadores não retirarem o equipamento do caminhão, por exemplo, você não dará conta do seu recado.

Tenha uma vida. Só assim você poderá emocionar as pessoas. Isso pode significar cantar à noite tendo levado um pé na bunda de tarde, triste por ter perdido sua avó, com febre, com ciúmes, arrasada por ter ido de manhã à cremação de seu parceiro e amigo, para plateias que falam ao celular durante o show inteiro, de costas para o palco, exigindo aos berros canções que não são do seu repertório, e muito mais.

Você vai frequentar banheiros químicos, aprenda a usá-los sempre antes de estar enfiada dentro de um vestido de tafetá de seda pura com uma cauda longa, não é muito prático, para dizer o mínimo.

Nas cidades do interior, do mundo todo, quando você chegar já não poderá almoçar, porque os restaurantes estarão fechados no meio da tarde. À noite, depois do show, é que então você não vai jantar, porque os restaurantes já terão fechado outra vez.

As pessoas após o show irão cumprimentá-la e fazer fotos com você, mas não esqueça que elas estão ali apenas para perguntar por que você não cantou justamente as canções que não cantou. Não se impressione com fãs que dizem “tenho todos os seus discos” enquanto você está lançando ainda o primeiro. Mantenha a pose quando a confundirem com a Zélia Duncan, por mais diferentes que vocês sejam. Sorria, não custa nada. Quando lhe disserem “te amo, Zélia”, diga “obrigada” e siga em frente.

Não crie em torno de você uma trupe que só concorde com tudo o que você faz e diz, procure cercar-se de gente ética e doida. Seja amiga dos seus músicos, vá ao camarim deles, eles imitarão os seus trejeitos quando você não estiver por perto de qualquer maneira. Mas, quando um músico adentrar seu camarim, abraçá-la e começar a chorar incontidamente encharcando o ombro direito do seu vestido rosa, abrace-o com força e sinta orgulho de estar no palco com um homem que chora.

Leve sempre um cachecol, proteja seu instrumento. As pessoas vão rir de você de cachecol em Teresina, mas não achariam graça nenhuma numa cantora sem voz. Rirão de você, de um jeito ou de outro. O mais importante, nos bons e nos maus momentos, é que você saiba rir de si mesma, e meio caminho estará andado.

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