FOLHA DE SP - 26/07
Em 2010, em artigo neste espaço, defendi que o predomínio ocidental estava longe do fim. Minha posição contracorrente destoava da maioria dos analistas, entre os quais havia virado moda falar em mundo pós-americano. Fareed Zakaria foi só um desses autores.
Com a mesma facilidade peremptória, diz-se agora exatamente o contrário, que talvez a China esteja exaurindo o seu crescimento e que os Estados Unidos estão de volta, com a revolução tecnológica e energética promovida pelo xisto. Uma mudança radical em menos de três anos.
Fora dos EUA, tantos ressentimentos contra o chamado império criaram "wishful thinkings", tomando desejos por realidade. Simples: se não gostamos da grande potência do norte, então compramos a tese do seu declínio imediato.
O lugar-comum do mundo pós-americano serviu para vender livros, fazer gracejos e criar novas expectativas como a dos Brics. Agora, em refluxo, os mesmos analistas e consumidores de suas análises temem que o Brasil seja prejudicado pelo fim da exuberância chinesa e pela recuperação norte-americana.
Dizem que pode haver uma fuga de capitais em direção aos EUA e uma crise entre os emergentes, com os exageros de praxe. Mas, na realidade, a força de Washington perdurará em um mundo em deslocamento para o Pacífico, onde também fica a costa oeste americana.
A novidade é que a Europa já entendeu as mudanças em curso e, finalmente, pode realizar um acordo comercial com os EUA na tentativa de preservar a força do Atlântico Norte. A questão é quando o Brasil vai perceber esse cenário.
O Itamaraty tem demonstrado uma preocupante dissonância cognitiva, selecionando apenas os pedaços de informação que parecem mostrar que estamos bem, enquanto ignora dados mais relevantes. Esse é um traço da nossa cultura.
A política de prestígio da diplomacia brasileira valoriza excessivamente a conquista de um cargo na Organização Mundial do Comércio e menospreza o processo estrutural que nos torna dependentes da exportação de commodities. Pior, começam a se orgulhar disso.
Nos últimos cinco anos, Brasília dedicou-se a preparar uma política externa parecida com a era do café. Não é concebível como, em tão pouco tempo, jogamos no lixo décadas de uma luta pela diversificação industrial das relações internacionais.
Derrotado na OMC, o México e parceiros da Aliança do Pacífico "roubam" os investimentos que viriam para o Brasil. Os países da franja liberal da costa oeste latino-americana, como Peru, Chile e Colômbia, crescem mais com estabilidade econômica do que os estranhos desenvolvimentistas primário-exportadores do outro lado do continente.
Não obstante os discursos oficiais, a América do Sul é uma região partida. De um lado, temos democracias de mercado dinâmico com alternância de poder. De outro, regimes cada vez mais autoritários, com economias estatizadas e desorganizadas. Para variar, a posição do Brasil não é clara.
No século 19, já havia divisão. Os países mais bem-sucedidos até meados do século 20 foram aqueles que conseguiram conjugar alternância entre liberais e conservadores. Talvez vivamos outra bifurcação novamente que marcará o século 21.
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