FOLHA DE S´- 04/05
O fisco não pode virar, na expressão de Hobbes, uma nova espécie de Leviatã a amedrontar o cidadão
O cidadão é, antes de tudo, um contribuinte, cujos impostos sustentam o Estado. Impostos são bens de pessoas físicas e jurídicas, obrigatoriamente transferidos aos entes federativos, a saber, municípios, Estados e União. A própria palavra "imposto" já denota o caráter de obrigação e imposição.
Da mesma maneira, há um manifesto equívoco na utilização da palavra "contribuição", sugerindo que pode ser algo voluntário.
Impostos e contribuições são, principalmente, transferências de propriedades, cujo detentor passa a ser o Estado.
Engana-se, porém, o governante que pensa que esses recursos lhe pertencem, pois também ele, por sua vez, tem obrigações derivadas da administração de bens que não são seus. Detém a gestão provisória desses recursos, mas deve prestar contas de seus atos. E o destinatário dessa prestação de contas é o cidadão contribuinte.
Na Inglaterra dos Stuart no século 17, o Parlamento inglês impôs um freio à arbitrariedade tributária do rei. Foi inspirada nesse nobre exemplo de exercício de cidadania que elaborei um projeto de lei complementar nos moldes de um novo "Estatuto dos Direitos do Contribuinte", para melhor disciplinar as relações entre o cidadão que paga tributos e o Estado.
O cidadão contribuinte não pode ficar à mercê de atos administrativos sobre os quais não possui nenhum controle, frequentemente submetido a prazos inexequíveis para cumprir determinadas condições e sendo obrigado a se comportar como se já fosse um réu condenado.
É hora de rever essa relação ditatorial, em que o fisco tem direito a tudo, e o contribuinte, só deveres.
Há que prevalecer o direito à presunção de inocência do cidadão contribuinte, devendo este ser respeitado em todos os seus direitos.
O país tem observado, nos últimos anos, uma invasão do fisco nas três esferas --municipal, estadual e federal-- sobre os direitos dos cidadãos. Pessoas físicas e jurídicas são objetos de atos discricionários, como os de "depósito prévio" de supostas dívidas que estão em litígio, a nível administrativo. Isso é inaceitável. Também nessa relação a democracia precisa ser instalada.
Há, ainda, problemas que atingem todos os contribuintes, quando se veem diante de avaliações de imóveis cujo valor cadastral para efeito de impostos é um verdadeiro mecanismo de extorsão do cidadão que paga em dia seus tributos.
É evidente que a esfera estatal está exorbitando de suas competências, diante de indivíduos e empresas que não conseguem exercer adequadamente os seus direitos.
O cidadão não pode ser dissociado do contribuinte. Ele é o verdadeiro gerador da riqueza nacional. O Estado, como destinatário do trabalho alheio, deve facilitar a vida dos que mantêm, com seu esforço, o aparelho burocrático.
No sentido estrito, os que são empregados pelo Estado são servidores públicos, ou seja, servidores dos contribuintes.
Não é, porém, o que acontece. O fisco se arroga direitos que não deveria ter. Não raro, funcionários se comportam, diante dos cidadãos, como se a esses nada devessem.
Eis por que, na proposta de Estatuto dos Direitos do Contribuinte, sugiro que se estabeleçam, com rigor, as diferentes competências e responsabilidades dos cidadãos e dos entes federados.
O país não pode mais conviver com leis complexas e obscuras, que deixam o cidadão contribuinte perdido em um labirinto. É preciso resgatar os direitos básicos da cidadania, por via da simplificação e da transparência tributárias.
O pleno acesso pelo contribuinte das informações necessárias à sua vida e a seus negócios é um dever do Estado, que não pode ser recusado por interposições meramente burocráticas. Trata-se do respeito básico devido às pessoas.
A observância de prazos por parte do Estado é outra forma de cidadania a ser exercida. Os trâmites alongados na resposta a indagações e interpelações produzem injustiça.
O fisco, em suas diferentes instâncias, não pode se tornar, na expressão de Hobbes, uma nova espécie de Leviatã a amedrontar a vida do cidadão.
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