FOLHA DE SP - 02/04
O mundo corre atrás de negociações comerciais, enquanto o governo brasileiro fica olhando
Curioso país é esse tal de Brasil: ao mesmo tempo em que lança um candidato à direção-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), não demonstra o mais leve empenho em levar avante negociações para a liberalização comercial, o que, no fim das contas, é a alma da entidade.
Como diz o próprio candidato brasileiro, o embaixador Roberto Azevêdo, "comércio é um elemento indispensável para o crescimento e desenvolvimento de qualquer economia".
Por que, então, o governo que o lançou candidato não atua de acordo com essa lógica?
Parece que o governo Dilma Rousseff ficou prisioneiro de uma lógica que fazia algum sentido no início do século, quando acabaram congeladas todas as três grandes negociações em que o Brasil estava envolvido: a chamada Rodada Doha, a mais ambiciosa tentativa de liberalização comercial; a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que, se bem-sucedida, criaria a maior zona de livre-comércio do mundo; e o entendimento Mercosul/União Europeia.
Os liberais de plantão sempre acusaram o governo brasileiro (leia-se Lula) de responsável pelo bloqueio das negociações. Não é bem verdade. Os países ricos com os quais o Brasil negociava foram tão culpados quanto o Brasil.
Qual a lógica que emperrou tudo? Em resumo, correndo o risco de simplificação: o Brasil só aceitava abrir seu setor industrial e de serviços se UE e EUA derrubassem o muro de proteção a suas agriculturas.
É uma lógica que perdeu sentido porque a indústria brasileira que se queria proteger foi sendo comida pelas bordas pela avassaladora máquina chinesa de exportações.
Há um segundo fator, possivelmente mais relevante, a empurrar para uma revisão da acomodação brasileira em matéria de negociações comerciais: quase o mundo todo está correndo atrás de entendimentos do gênero.
Cito apenas três fatos recentes: China, Japão e Coreia do Sul iniciaram negociações para liberalizar o comércio. São portentosas usinas exportadoras, que trocam entre si US$ 700 bilhões por ano, quase três vezes o que o Brasil exportou em 2012.
Dois: Chile, Peru, Colômbia e México liberalizarão 90% de seu comércio após assinatura de um acordo, dia 29 de maio. Precisa dizer que três são países da América do Sul, o subcontinente que o Brasil quer ver integrado, de preferência sob sua liderança?
Três: até EUA e UE, as grandes potências globais, ensaiam uma aliança comercial que, "sem dúvida, forneceria um muito necessário impulso para investimentos, crescimento e padrão de vida", como escreve para o "Financial Times" Robert Zoellick, aquele que Lula chamou de sub do sub do sub, quando chefiava o comércio exterior norte-americano.
Zoellick acrescenta que esse acordo seria bem mais que tudo isso (e já é muito): permitiria a recuperação de um papel de vanguarda para "as nações avançadas, que estão perdendo terreno para Estados em ascensão".
Se todas essas negociações forem avante, o Brasil corre o risco de se tornar uma ilha, gigantesca, mas ilha.
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