terça-feira, setembro 11, 2012
O Ocidente caiu com as torres - ARNALDO JABOR
O Estado de S.Paulo - 11/09
Enquanto o ex-presidente Bill Clinton fazia seu discurso histórico na Convenção democrática, senti-me em uma viagem no tempo - parecia que estávamos antes do 11 de Setembro, com os EUA em superávit, com uma visão multilateral do mundo, antes da brutal recessão que o boçal do Bush causou com sua política para milionários e Wall Street. Há muito tempo eu não era tão feliz. Pude esquecer por uma hora as caras dos republicanos: homens com fuças de bandidos violentos e mulheres com seus cabelos louros de 'chapinha', com o sorriso fixo de peruas imbecis.
Clinton explicou com destreza literária e estratégica como os republicanos provocaram o horror atual da economia, como impediram no Congresso que Obama fizesse correções na 'herança maldita' que deixaram e agora querem voltar para errar mais, num momento delicadíssimo da agenda internacional. Emocionou-me a dignidade daqueles dois, o preto bonito e o branco bonito, homens de bem, cultos, contrastando com os animais que pululavam na convenção republicana, com o fascista Clint Eastwood fazendo piadinhas e desonrando o fim de sua vida. Nunca mais vejo filme dele.
A crise econômica de 2008 começou em 2001, no 11 de Setembro. O ataque do Osama às torres dissimulou a estupidez do governo Bush (lembram de sua cara abestalhada quando soube do atentado?) Naquela cara estava traçado nosso destino dos últimos dez anos. Como um 'presidente de guerra', a desregulação das finanças foi escancarada, ninguém prestava atenção a nada, a não ser o 'Cheney-Oil' (que passou a mandar) e os 'mestres do universo', como os moleques de Wall Street se chamavam.
Logo depois do 11/9, o 'patriotic act' que Bush assinou justificou qualquer loucura, qualquer gasto para combater o terror. Não teríamos uma crise tão forte, se os EUA não estivessem gastando cerca de um trilhão por ano no Iraque e Afeganistão. O dinheiro rolava em cachoeira com baixos juros e a bolha imobiliária cresceu, os 'derivativos' e alavancagens criaram para os americanos um consumo fictício compensatório, que acabou estourando, como as minas que matavam jovens nos desertos do Oriente.
Bin Laden armou uma armadilha infalível: obrigou os EUA ao contra-ataque e, com isso, uniu o Islã.
Além disso, Bin Laden produziu a grande ressurreição do século 21: Deus. Ressurgiu Alá para eles e o fundamentalismo cristão na América. Alá e Jesus, ambos armados. Bin Laden 'islamizou' a América. Hoje há cerca de 40 milhões de evangélicos nos EUA, que acham que Deus criou o mundo em sete dias, 6 mil anos atrás, e que o Islã tem de ser arrasado com bombas nucleares. Barack Obama pode ser derrotado por milhões de ignorantes religiosos. Bin Laden nos jogou na Idade Média, numa era pré-política. Os nazistas queriam um milênio ariano, os comunas queriam construir um paraíso sem classes, os fanáticos do Islã não querem construir nada. Já estão prontos. Já chegaram lá. Já vivem na eternidade. Querem apenas destruir o demônio - que somos nós. A guerra é assimétrica - a América tem uma ideologia. Eles têm a teologia. O Islã quer o imóvel, a verdade incontestável. O Islã transcendeu a história há muito tempo. Suas multidões jazem na miséria, conformados, perfazendo um ritual obsessivo cotidiano que os libertou da dúvida. Sua obediência ao Alcorão lhes ensina tudo, desde como cortar as unhas até como matar 'cães infiéis'. Como disse o mulah Muhammad Omar, com desdém: "Nós amamos a morte; vocês sempre gostaram de viver..."
Em um discurso que fez nas cavernas do Afeganistão, Bin Laden citou o tratado de Sèvres, quando o Ocidente acabou com o Império Otomano e com o sonho de unidade árabe, em 1920. Depois, declarou: "Nunca mais seremos humilhados como na Andaluzia". Ou seja, eles se vingam da expulsão da Península Ibérica em 1492. Osama nos odeia há 500 anos.
Osama Bin Laden inventou a única arma possível para os miseráveis: a loucura suicida. Queremos desesperadamente explicar Osama à luz da ciência ou da razão, mas ele se mantém imune a interpretações. Finalmente, entendi a velha frase de Camus: "O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo". Mas, não o suicídio raivoso de Mersault (v.O Estrangeiro) contra o mundo "absurdo". Não mais o suicídio da "náusea", mas o suicídio como manifestação de vida contra a dúvida e a diferença. Ai, que loucura!: o suicídio como esperança.
Além de incendiar a crise da economia, o ataque de 11/9 acabou com a fama de infalibilidade dos EUA. Acabou com a ideia de "finalidade", de "projeto". Acabou com a ideia de solução, com a ideia de vitória.
Ele trouxe de volta o que estava faltando ao Ocidente, desde o fim da guerra fria: o medo, a pulsão de morte que andava escondida, sublimada nos filmes, nos "hambúrgueres", na gargalhada infinita do entertainment. Acaba o happy end, a simetria, o princípio, o meio e o fim.
A arte revolucionária de Osama foi ter criado um fato. Hoje em dia não temos mais fatos; só expectativas. E ele nos trouxe um acontecimento em 2001, intempestivamente. E se o intempestivo acontece, Bin Laden atualizou a ideia do contemporâneo que, como disse Agamben, está dada numa relação de desconexão e dissociação com o tempo presente. E, para ele, "contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele ver não as luzes, mas o escuro". Bin Laden provou a morte das grandes narrativas e explicações. Pode estar pintando um horror à mudança, um tempo de conformismo deprimido. Ficaremos mais minimalistas, afirmando singularidades. Como disse Baudrillard: "O universal acabou; só resta o singular contra o mundial".
E depois de criar milhões de 'jihadistas' americanos, com os "tea parties" fascistas, com um Deus vingativo e reacionário, Bin Laden está no fundo do oceano. E pode ser que chegue agora sua vingança contra Barack Obama: do abismo gelado do mar, entre peixes luminosos, Bin Laden pode eleger o Mitt Romney em novembro.
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