Na contramão da "Avenida Brasil” o Supremo anuncia que o Brasil mudou! Resta saber se mudou na real ou na peça dos autos. Se o latinório dos votos embaça a compreensão dos poucos tipos penais, pela passarela da "Avenida Brasil" se destacam quase todos os tipos do Código Penal, do abandono de menor ao atentado à vida, roubo, estelionato, formação de quadrilha, cárcere privado e até estupro.
No entanto, não há a mais remota hipótese de que qualquer instituição de Estado ou judiciária, sequer uma delegacia de polícia, ou um promotor público, sequer um juiz de vara criminal, venha a visitar o roteiro da novela-fenômeno do Ibope. No que tange à Justiça, o drama criado pelo noveleiro-sensação do momento, numa catarse vertiginosa de vingança, ódio e paixão, reserva para a classe emergente do subúrbio o papel de uma sociedade tribal, detentora apenas da Lei de Talião de priscas eras, onde ainda não havia a instituição jurídica propriamente dita, e sim a retaliação do olho por olho, dente por dente. E este é o saldo que fica no imaginário do cidadão comum! Se conquistamos nos últimos anos um sistema judiciário que, apesar de todas as mazelas, está funcionando, somos relegados ao justiçamento selvagem dos que fazem "justiça" com as próprias mãos.
Pelo enredo da novela, retaliação é o estágio que nos cabe da "justiça" a experiência cotidiana da insuficiência das instituições jurídicas, a eloquência de sua ausência! E como o Estado falha, a audiência se entrega de corpo e alma aos relatos das paixões primárias, anteriores ao Código Mosaico, marco fundador de todos os valores da tradição judaico-cristã, o salto civilizatório que não conseguimos dar.
Neste sentido, seria bem oportuno que os responsáveis pela produção simbólica da cultura de massa nacional refletissem sobre o que o Supremo está a produzir: o Brasil não cabe nesta avenida, que se limita a uma luta de classes enviesada, de vilões endiabrados contra mocinhos quase sempre babacas, crédulos e cornos-mansos como Tufão, Jorginho, Adauto, Monalisa, Tessália e Ivana. Uma perversa redução dos valores da sociedade brasileira a cenas de tolerância para com a impunidade e a imoralidade e que fatalmente serão resolvidas pelas mãos de Deus ou do destino, jamais pela falha justiça dos homens. Quando, na verdade, estamos aprendendo com o Supremo a condenar Rita, Carminha, Max, Leleco, Muricy, Silas, Nilo e tantos outros que fazem pouco de nossa cidadania. Ou cinco milhões de brasileiros lutando pela Lei da Ficha Limpa, ou vinte milhões de cidadãos votando em ética na última eleição, é delírio? Só se for aos olhos míopes do autor. No plano do real, mesmo que ardendo na fogueira das vaidades togadas pela inflamável cobertura midiática, mesmo exarada a sentença final do julgamento, ela não será o clímax, senão a conclusão de uma etapa do processo de lenta afirmação das instituições sobre a tradição de arbítrio dos donos do poder. Pois o show do STF só tem acontecido graças à prévia e diligente "produção" de instituições como a Polícia Federal, a Receita Federal, o Tribunal de Contas, o Ministério Público e outras!
Fica o alerta: o Brasil é bem maior do que a avenida de mesmo nome! Quem viver, verá!
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