domingo, agosto 12, 2012

Cavalo de batalha - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 12/08


Duas vezes, com um dia de intervalo, o presidente paraguaio, Federico Franco, levantou essa semana a questão da venda do excedente de energia gerada por Itaipu ao Brasil e à Argentina, dando margem a que se fizesse, principalmente do lado de lá da fronteira, um cavalo de batalha em torno do assunto. Na terça-feira, Franco disse que enviará ao Congresso um projeto que proíba o governo a ser eleito em abril do ano que vem de "ceder" eletricidade aos vizinhos. O principal jornal de Assunção, ABC Color, saudou a fala em clima de exaltação patriótica, com referências ao "Império do Brasil". Na quinta-feira, mesmo depois de o diretor-geral paraguaio da binacional, Franklin Boccia, dizer que o presidente foi "mal interpretado" e que Itaipu está "blindada contra questões políticas", Franco voltou à carga.

Numa reunião com empresários, afirmou que "Buenos Aires e Brasília devem entender que terminou a época em que o presidente paraguaio recebia benefícios e lhes outorgava o usufruto de nossa energia (...) Hoje, se dá de presente energia paraguaia ao Brasil e à Argentina". Não é bem assim, para dizer o mínimo. Pelo tratado brasileiro-paraguaio de 1973 que possibilitou a construção da mais produtiva hidrelétrica do mundo, cada país tem direito à metade da energia gerada. Dado que o Paraguai consumia e ainda consome uma fração da ordem de 5% desse volume, estipulou-se que o Brasil teria preferência para ficar com o restante até 2023, a preço de custo. Em 2009, depois de uma barragem de pressões desencadeadas pelo então presidente paraguaio Fernando Lugo, o seu colega brasileiro Lula concordou em triplicar o valor pago pela energia recebida.

Os paraguaios se queixam de que, apesar do aumento, o que o Brasil lhes paga pelo megawatt/hora (MW/h) excedente - US$ 8,4 - representa pouco mais de 1/10 do seu valor de mercado, aferido em leilões, da ordem de US$ 60. Omitem, naturalmente, que o Paraguai não gastou um único centavo para erguer a hidrelétrica, a qual, desde a inauguração, em 1984, já produziu 2 bilhões de MW/h e rendeu ao vizinho pelo menos US$ 5 bilhões em dividendos. Daqui a 11 anos, quando Itaipu estiver totalmente paga, o Paraguai incorporará um patrimônio líquido de US$ 30 bilhões, a metade do total. Desde 2010, o Brasil arca ainda com o grosso do financiamento de US$ 400 milhões para a linha de transmissão que irá de Itaipu a Villa Heyes, nas cercanias de Assunção. É de dinheiro que trata, mas não só, a suposta ameaça de Franco.

Numa entrevista à Folha de S.Paulo, o chanceler paraguaio José Felix Estigarribia admitiu que o país pleiteia um novo aumento no preço da energia adquirida pelo Brasil, a ser negociado no Conselho de Itaipu. Informou, a propósito, que o Brasil pediu duas vezes o adiamento da reunião que trataria da matéria. Segundo ele, as declarações de Franco expressam o interesse do governo em estimular o desenvolvimento industrial do Paraguai, usando mais energia limpa de Itaipu, em lugar de combustíveis fósseis. A explicação é plausível, mas não exclui nem a questão do preço que os vizinhos consideram defasado, como é de seu direito, nem tampouco a atual temporada de crispação política nas relações entre Brasília e Assunção.

Em junho, quando o Congresso paraguaio destituiu Lugo, a presidente Dilma Rousseff qualificou a decisão de "ruptura da ordem democrática", chamou de volta o embaixador brasileiro - que ainda não reassumiu - e, de comum acordo com os seus pares da Argentina e Uruguai, promoveu a suspensão do Paraguai do Mercosul a fim de incluir ilegalmente na entidade a Venezuela de Hugo Chávez. Nesse quadro, as palavras de Franco seriam uma reação às críticas internas de falta de firmeza diante da conduta brasileira. Ele não tem outra carta na manga. De todo modo, Franco não transmitiu formalmente a sua apregoada intenção ao sócio em Itaipu - pelo que o Itamaraty se limitou a "tomar nota" de suas declarações. De seu lado, o presidente brasileiro da binacional, Jorge Samek, reduziu o episódio a uma "confusão".

Em Brasília, imitando com sinal trocado o ABC Color de Assunção, só o senador Fernando Collor fez muito barulho por muito pouco.

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