FOLHA DE S.PAULO - 12/08
SÃO PAULO - A notícia ficou velha, mas não resisto a comentá-la: neurocientistas assinaram, no fim de julho, um manifesto em que afirmam que vários animais não humanos, incluindo aves e polvos, possuem algum tipo de consciência.
A questão é interessante porque evoca a singularidade humana. Mais ou menos a metade dos cientistas, aí incluídos os signatários do documento, acredita que o bicho-homem faz parte de um contínuo no qual se inscrevem todos os animais. Já a outra metade, acompanhada pelos religiosos, vê uma ruptura profunda entre a nossa espécie e as de nossos parentes, mesmo os próximos.
Uma frase do psicólogo David Premack dá a dimensão do cisma: "Por que será que o biólogo E.O. Wilson consegue distinguir entre dois tipos de formiga a uma distância de 90 metros, mas é incapaz de ver a diferença entre uma formiga e um homem?".
Não há muita dúvida de que existem diferenças e elas são gritantes. Para começar, nenhum outro animal conta com linguagem recursiva, que permite comunicar mais ou menos qualquer ideia. Também não se vê nos demais representantes do reino coisas como religião, crises existenciais ou gosto por música e poesia.
Ainda assim, é perfeitamente possível que essas diferenças se devam apenas a uma questão de grau, sem que necessitemos invocar uma especificidade irredutivelmente humana.
De minha parte, acompanho o raciocínio de Michael Gazzaniga, exposto em "Human". Para o neurocientista, existem diferenças tanto em nível molecular como anatômico, mas elas são ínfimas. O que torna o estudo do cérebro interessante é tentar compreender como variações tão diminutas nos neurônios e sua organização podem, pelo fenômeno da emergência, produzir um resultado final tão dramático em nossas mentes. Em suma, somos um bicho como qualquer outro mas que, por caprichos da natureza, acabou ficando com um cérebro bastante peculiar.
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