O GLOBO - 23/07
Marcos Valério, um dos cérebros do mensalão, voltou a ameaçar Lula, segundo a "Veja" desta semana. Em pânico com a possibilidade de vir a ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal, que começará a julgar no dia 2 de agosto os 38 réus do mensalão, Valério se disse disposto a contar que esteve com Lula várias vezes, o que Lula sempre negou.
Foi Paulo Okamoto, uma espécie de diligente tesoureiro informal da família Lula, que dobrou Valério. Naturalmente, Okamoto nega que Valério tenha feito qualquer ameaça a Lula. Ou dito que antes do estouro do escândalo do mensalão estivera com ele na Granja do Torto, uma das residências oficiais do presidente da República.
"[Valério] queria me encontrar porque às vezes quer saber das coisas. Em geral, ele quer saber como está a política, preocupado com algumas coisas", justificou Okamoto. Foi claro? Adiante. Coube também ao advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, outra peça importante da engrenagem do PT, agir para sossegar o espírito atribulado de Valério.
Ponham-se no lugar do ex-publicitário mineiro. Era rico, riquíssimo antes de se meter com o PT de Delúbio Soares, Genoino e José Dirceu. Tinha duas agências de propaganda. E inventara uma forma de lavar dinheiro por meio de bancos para engordar o caixa 2 de políticos às vésperas de eleições. Eduardo Azeredo, do PSDB, foi um .
Procurado para fazer pelo PT o que fizera por Azeredo, imaginou ter tirado a sorte grande. O governo Lula estava nos seus meses iniciais. E a turma à frente do partido em busca do tempo perdido. De repente, todas as portas se abriram para Valério. E ele passou a "fartar os olhos" admirando o dinheiro que entupia as suas burras.
Teria dado certo - não fosse o tresloucado gesto de Roberto Jefferson, presidente do PTB, que por pouco não pôs o governo a pique. Em um sábado de junho de 2005, depois de tomar uns goles a mais na Granja do Torto, Lula falou em renunciar ao mandato. Ficara sabendo que Valério admitira envolvê-lo no escândalo.
José Dirceu, então chefe da Casa Civil da presidência da República, foi chamado às pressas em São Paulo. Esca-lado para dar um jeito em Valério, deu sem fazer barulho. Naquele dia postei em meu blog que Lula falara em renúncia - embora eu não soubesse por quê. Nunca recebi tantos desmentidos de porta-vozes.
Ainda no segundo semestre de 2006, Valério voltou a atacar. Procurou um político de forte prestígio junto a Lula. Queixou-se de estar quebrado. Acumulava dívidas sem poder honrá-las. Seus bens haviam sido bloqueados. Caso não fosse socorrido, daria um tiro na cabeça ou faria com a Justiça um acordo de delação premia.
O político pediu uma audiência a Lula. Recebido no gabinete presidencial do terceiro andar do Palácio do Planalto, o político reproduziu para Lula o que ouvira de Valério. Em silêncio, Lula virou-se para uma das janelas do gabinete que lhe permitia observar parte do intenso movimento nas vizinhanças do palácio.
Então perguntou ao visitan-te: "Você falou sobre isso com Okamoto?" O visitante respondeu que não. E Lula mais não disse e nem lhe foi perguntado. Seria desnecessário. O diligente Okamoto, aquele que pouco antes pa-gara do próprio bolso cerca de R$ 30 mil devidos por Lula ao PT, apascentou Valério.
Falta alguém em Nuremberg! Quero dizer: falta alguém na denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República sobre a "organização criminosa" que tentou se apossar do aparelho do Estado. Desviou-se dinheiro público - e não foi pouco. Pagou-se para que deputados votassem como queria o governo. Comprou-se o apoio de partidos.
Nada será capaz de reparar o mal produzido pelos que chegaram ao poder travestidos de legítimos hierarcas da decência - falsos hierarcas, como se revelariam mais tarde. Mas se a Justiça só enxergar inocentes entre eles, isso significará que também foram bem-sucedidos na tarefa de trucidar a esperança.
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