O GLOBO - 15/05/12
Na década de oitenta, George Papadopoulos era um inteligente e ativo economista do Banco Mundial, residente em Washington. Suas funções o levavam a vir frequentemente ao Brasil onde trabalhava nos projetos de financiamento do nosso setor elétrico. George era sempre o mais bem informado e empenhado defensor dos bons programas. Em suas férias anuais, ia visitar a família numa pequena cidade na costa da Grécia. Certa vez, acabado de voltar das origens, George disse-me que tinha revisto seus conceitos e iria aposentar-se mais rápido para viver como seus concidadãos: pouco estresse, comida simples, vinho grego, descanso. E foi o que fez pouco tempo depois.
Não quero cometer a injustiça de conclusões simplificadoras que meus professores de sociologia condenariam inapelavelmente. Mas é difícil escapar da conclusão de que a Grécia é basicamente isto que Papadopoulos amava. Ela não pode acompanhar os grandes países industriais da Europa e nunca se transformará em nada parecido com eles. Na expansão da Comunidade Europeia, lançada pela Cúpula de Copenhague em 1993, foram definidos critérios para novas admissões:
"Para ser membro, o país candidato deverá ter alcançado&uma economia de mercado funcional, assim como a capacidade de enfrentar as pressões competitivas e forças do mercado dentro da União, inclusive a adesão aos objetivos de uma união política, econômica e monetária."
A Grécia acedeu à Comunidade Europeia em 1981, logo que terminou o regime dos coronéis. Mas, desde o princípio, era visível que o país não seria capaz de uma performance econômica suscetível de enquadrá-lo nos objetivos comunitários, embora fosse das primeiras nações a serem admitidas na expansão. Que líderes políticos europeus poderiam, entretanto, ter sido contra a sua entrada na União? Ninguém jamais se oporia à Grécia que - desde as históricas vitórias de Salamina e Platea em 480 a.C. sobre as imensas forças de Xerxes - dera à Europa o fundamento simbólico da liberdade e da democracia, após uma luta de décadas contra o despotismo persa.
Negar-lhe a entrada plena na nova Europa em construção seria ofender a memória de Aristóteles, Sócrates e tantos outros gigantes da Antiguidade grega. Seria rejeitar os pais da cultura e da grandeza da civilização ocidental. Pelo mesmo motivo, desde a independência grega de 1830, as potências europeias dispuseram-se a apoiar a causa da Grécia, como entidade política, ainda que, desde o século de ouro de Péricles, portanto havia dois mil e quatrocentos anos, a herdeira de Atenas não tenha mais existido. Por isso, ela foi preservada depois da Primeira Guerra e da dissolução do Império Otomano, embora todo o Mediterrâneo Oriental tenho sido politicamente redesenhado. Por isso também a Cortina de Ferro nunca baixou sobre Atenas. Em suma, a Grécia é, há quase duzentos anos, patrocinada pela Europa Ocidental.
Não se pode descartar a possibilidade do divórcio. Hoje, muitos dizem que a Grécia terminará sendo expelida da União Europeia. Há partidários desta tese, cansados do mau comportamento econômico e das manipulações estatísticas em que os gregos têm sido pródigos. Eles são cada vez mais numerosos a condenar a falta de seriedade com que a Grécia encara a crise, em comparação com outros países, como Portugal e a Espanha, que fazem seu dever de casa por mais duro que seja. Ainda por cima, assiste-se ao inquietante espetáculo político que consiste no repetido fracasso dos mais variados líderes partidários gregos nas tentativas de formar um governo capaz de implementar um programa sério de ajustes.
É possível que haja um enfado tão grande na Europa que acabe levando à saída da Grécia do euro e mesmo da União. Esta hipótese é, aliás, a preferida de muitos gregos desavisados, inclusive dos partidos de esquerda, que julgam que os males do país advêm de um rigor penalizante dos europeus e avaliam mal os efeitos desastrosos desta saída.
Acabo de passar alguns dias em Atenas. Ao olhar superficial, não há sinal de crise alguma. Nas ruas, nas lojas, nos restaurantes, veem-se apenas sinais de prosperidade. Claramente, os gregos ricos não se sentem em perigo e já tomaram suas precauções contra riscos maiores. Não saberia dizer, honestamente, se a classe média e os menos favorecidos têm como se defender, mesmo através do sistema de clãs tão frequente no Mediterrâneo.
Minha impressão, entretanto, é que não se chegará a uma ruptura. E que, mais provavelmente, as grandes potências europeias seguirão sendo tolerantes com a Grécia de George Papadopoulos.
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