VALOR ECONÔMICO - 11/05/12
O refinanciamento das dívidas dos Estados pela União - sob égide da Lei nº 9.496/97 - completará 15 anos em setembro e representa marco fundamental para reequilíbrio das finanças públicas. Nesse período, ocorreram diversas tentativas de alterar cláusulas contratuais com argumentos frágeis que, após análise acurada da área técnica do governo federal, foram prontamente descartadas. Deve ser ressaltado que o refinanciamento das dívidas subnacionais representou e ainda configura-se em um ônus para o Tesouro Nacional arcado por todos os brasileiros.
Para que a dimensão desse custo seja compreendida vale a pena resgatar as condições em que a renegociação das dívidas ocorreu. No período entre 1997 e 1999, quando os contratos foram assinados, a maioria dos Estados detinha débitos na forma de dívidas mobiliárias e contratuais, com taxas de juros e demais encargos insustentáveis. Para evitar o default, a União propôs resgatar as dívidas estaduais junto aos agentes privados, substituindo as condições draconianas vigentes por condições "civilizadas", ou seja, atualização monetária por IGP-DI acrescido de taxa de juros de 6% ou 7,5% ao ano.
Essa renegociação, efetuada voluntariamente pelos Estados, realizou-se em duas etapas: num primeiro momento assinou-se um protocolo entre os Estados e a União; a partir do qual o governo federal assumiu a responsabilidade pelas dívidas estaduais e os governos, em troca, comprometeram-se a pagar IGP-DI mais 6% ou 7,5% ao ano. Apenas após a assinatura do contrato, a União efetivamente emitiu títulos para refinanciar as dívidas assumidas. Entre o protocolo e o contrato, a União arcou com uma diferença que é conhecida no jargão técnico como subsídio inicial.
O refinanciamento das dívidas subnacionais configura-se em ônus para o Tesouro arcado por todos os brasileiros
A União não dispunha de recursos próprios para refinanciar e viabilizar a renegociação e emitiu R$ 101,22 bilhões em títulos. O valor da dívida refinanciada foi de R$ 90,01 bilhões, sendo a diferença de R$ 11,17 bilhões, em valores nominais, o subsídio inicial. Atualizado pela taxa Selic até dezembro, o valor é de R$ 92,47 bilhões.
Esse, no entanto, não foi o único subsídio concedido pela União aos Estados. Os R$ 90,01 bilhões, renegociados pela Lei nº 9.496/97, acrescido dos R$ 22,13 bilhões do Programa de Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária (Proes), totalizando R$ 112,18 bilhões, foram financiados pela União, pela emissão de títulos públicos.
Sabe-se que a emissão de títulos é bastante diversificada e que, em geral, o custo médio desses papéis supera a própria taxa Selic. Contudo, para efeito de simplificação supondo-se que a União tenha se financiado emitindo Letras Financeiras do Tesouro (LFT) indexados à Selic, a União arcou com um "subsídio no fluxo" decorrente da diferença entre a taxa Selic e IGP-DI mais 6% ou 7,5% ao ano, de cerca R$ 157,2 bilhões, atualizado até dezembro (deve ser ressaltado que a Selic foi muito superior ao IGP-DI mais 6% ou 7,5% ao ano no fim dos anos 1990 até o início do ano 2000).
Assim, mesmo considerando que as estimativas, devido às simplificações e às hipóteses, sejam uma proxy e não coincidam exatamente com as projeções no qual todos os fatores sejam considerados, o método utilizado não distorce significativamente os valores do "subsídio no fluxo".
Até existem algumas unidades da federação - mais pobres diga-se de passagem - que possuem um subsídio "negativo" -, mas no conjunto, os Estados obtiveram um subsídio estimados em R$ 249,66 bilhões. Este subsídio está fortemente concentrado nos quatro Estados mais ricos, o equivalente a R$ 214,65 bilhões ou 86% do total. As propostas legislativas para reduzir o custo do endividamento dos Estados com a substituição do IGP-DI pelo IPCA e ou a redução dos juros, fixados em 6% ao ano, na maioria dos contratos terão impacto desigual. O Estado de São Paulo, por exemplo, obteve 65,8% dos subsídios concedidos pela União e representa 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Somados, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul respondem por cerca de 59,9% do PIB e obtiveram cerca de 86% do total dos subsídios.
Deve ser reiterado que no refinanciamento das dívidas dos Estados, a União se financiou emitindo dívidas. A soma do saldo devedor das dívidas com base na Lei nº 9.496/97, de R$ 369,3 bilhões, em dezembro de 2011, acrescido da estimativa do subsídio, de cerca de R$ 249,7 bilhões, totalizando R$ 619 bilhões, representa a parcela da dívida pública federal em mercado decorrente do referido refinanciamento. Como a dívida pública federal em mercado estava em R$ 1,866 trilhão, em dezembro de 2010, o total da dívida em mercado devido ao refinanciamento é de cerca de um terço (33,2%) do total.
A despeito do senso comum de que a troca dos indexadores das dívidas estaduais irá beneficiar a todos os Estados é importante frisar, inicialmente, que haverá uma elevada concentração de benefícios nas unidades mais ricas da federação, que se beneficiaram com a implantação de infraestrutura econômica decorrente das dívidas refinanciadas.
Por fim, deve-se ter presente que o pagamento da dívida decorrente do refinanciamento das dívidas estaduais irá impactar o resultado primário do governo central - ou exigindo um esforço maior por parte da União para não elevar o endividamento público, via elevação do superávit primário, ou da ampliação do patamar da dívida federal. Ou seja, intertemporalmente, a dívida federal será quitada ou pela ampliação da receita, via elevação da carga tributária ou pela redução das despesas, por meio da contenção dos gastos com bens públicos. Em ambos os casos a distribuição dos ônus deverá recair de forma desproporcional entre as unidades da federação.
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