FOLHA DE SP - 11/05/12
Se Franz Kafka (1883-1924) inovou a literatura ao fazer com que seu personagem Joseph K. enfrentasse um processo judicial sem nem mesmo saber do que era acusado, a CPI do Cachoeira revolucionou os princípios da investigação, ao criar uma situação em que os próprios investigadores não têm acesso às evidências que devem analisar.
Por mais bizarro que seja o resultado, ele tem uma explicação coerente. Essa e outras incongruências da CPI decorrem do fato de ela ter-se convertido numa arena em que duas lógicas opostas estão em disputa.
A melhor analogia vem da biologia. No nível da seleção de grupo, não interessa a nenhum dos grandes partidos uma apuração muito completa. O ideal mesmo seria encontrar meia dúzia de bodes expiatórios -de preferência, não dos mais graúdos- e sacrificá-los o quanto antes.
O problema com a seleção de grupo é que ela não é lá muito estável. É sempre possível encontrar entre os membros das comunidades um ou mais indivíduos particulares para os quais trair os interesses coletivos pode trazer significativas vantagens adaptativas. Seria o caso de um parlamentar que pretenda reeleger-se como paladino da CPI ou de alguém que, para safar-se de uma encrenca jurídica ou apenas evitar um dano maior à imagem, esteja disposto a romper com a lógica gregária.
A própria CPI só teve início porque as denúncias contra o senador Demóstenes Torres pareceram ao ex-presidente Lula e a alguns dos réus no mensalão uma ocasião propícia para ampliar sua aptidão inclusiva.
Para a maioria dos cidadãos que não fazemos parte de nenhum dos partidos e grupos metidos na disputa, resta torcer para que interesses individuais prevaleçam e as forças que atuam para limitar a CPI sejam derrotadas. Excluídos cenários extremos e bastante improváveis em que a governabilidade e as próprias instituições se veriam ameaçadas, quanto mais sujeira vier à tona, melhor.
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