quarta-feira, abril 18, 2012
Vegetação ripária da discórdia - ANDRÉ MELONI NASSAR
O Estado de S.Paulo - 18/04/12
O projeto de lei que regulamenta o novo Código Florestal deverá ser votado na Câmara dos Deputados na próxima semana. Minha intenção neste artigo é enfatizar que, independentemente do que for aprovado quanto à recuperação da vegetação que protege os cursos d'água, denominada ripária (do latim ripa, margem do rio), sua conservação - e, portanto, sua restauração, para as situações em que houve desmatamento - deve ser um objetivo a ser perseguido pelo poder público e pelos produtores rurais.
Faço essa defesa da necessidade de recuperação das vegetações ripárias sem deixar de dar suporte à reforma em curso do Código Florestal. Caso a Câmara opte por não acatar o texto aprovado no Senado em relação a esse ponto, uma oportunidade de conciliar produção e conservação será perdida. Tal decisão da Câmara, no entanto, não invalidará a reforma, e muito menos a transformará no produto de amplos interesses mesquinhos de lobby ruralista, como alguns defendem.
Entender processos de mudanças requer desvendar as razões que tornam possíveis transformações nas instituições. O caso da reforma do Código Florestal não é diferente. A atual reforma é consequência de dois movimentos do governo federal, que corretamente adotou medidas com a intenção de conter as escaladas de desmatamento na Amazônia de 1995 e de 2004. Por terem no código seu arcabouço legal de apoio, todavia, eles atingiram também grupos em situação absolutamente diferente dos alvos originais. Na intenção de prover o poder público de ferramentas para criminalizar quem estava desmatando ilegalmente, todos foram postos indistintamente na ilegalidade.
A opção do poder público de enquadrar na lei, da mesma forma, os responsáveis pela escalada do desmatamento e os produtores rurais criou as condições para que a reforma do Código Florestal prosperasse. Mas, considerando que os instrumentos do código - áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais (RLs) - continuam sendo fundamentais para controlar o desmatamento ilegal, seria preciso encontrar uma forma de garantir a adequação desses produtores.
O mecanismo desenvolvido no Congresso foi criar o conceito de áreas consolidadas, ou seja, áreas onde se reconhece a ocupação antrópica sem a necessidade de reflorestamento. O conceito de áreas consolidadas, embora necessário, agrava a complexidade da legislação ambiental brasileira. Se já não faz sentido técnico padronizar as metragens da faixa marginal nas vegetações ripárias e tampouco obrigar cada propriedade rural a manter RLs, a área consolidada só faz sentido como instrumento para se contrapor a àquelas duas.
Do ponto de vista da conservação, o que faz sentido é a proteção da vegetação de áreas frágeis e com elevados serviços ambientais, o estabelecimento de corredores ecológicos que protejam a biodiversidade e a conservação de uma parcela de cada bioma em grandes maciços de vegetação, combinando áreas públicas e privadas. Esse objetivo não foi alcançado no Brasil na sua totalidade com o Código Florestal vigente, dada a enorme inadequação dos produtores rurais.
Grande parte dos problemas de adequação nas questões das RLs e APPs de encostas e topos de morro foi resolvida na versão do código que será votada na Câmara. Ficou pendente a vegetação ripária. O Senado havia optado por manter a obrigação de recuperação parcial com regras mais flexíveis para os pequenos produtores. A versão que saiu originalmente da Câmara sugeria a consolidação das áreas e deixava para os governos estaduais definirem a regra de recuperação ou consolidação integral.
Independentemente do resultado, não pode ser considerada um tema menor a conservação da vegetação ripária. Aliada a técnicas conservacionistas de produção agrícola, como plantio direto na palha, é o exemplo perfeito de equilíbrio entre conservação e produção. Não faltam estudos mostrando casos de bacias hidrográficas com problemas decorrentes da falta de vegetação protegendo as margens dos rios.
Recuperar, mesmo que parcialmente, vegetações ripárias, porém, tem impacto econômico. No caso dos pequenos produtores, pode até comprometer sua atividade produtiva. Como regra geral, o maior impacto está no custo do reflorestamento, e não na perda de área produtiva. Margens de rios ocupadas com pastagens e com agricultura intensiva requerem forte intervenção com plantio de mudas e, pelo menos, dois anos de tratos culturais para que a vegetação ripária se recupere. É o que comprovam os exemplos das usinas de cana-de-açúcar que estão reflorestando no Estado de São Paulo. As mudas são caras porque não há escala no fornecimento delas, e tão importante quanto formar e plantar a muda é controlar mato e ervas daninhas que podem comprometer seu crescimento. No caso da pecuária, ainda é preciso isolar a área dos animais.
São dificuldades que não podem ser deixadas de lado. Os produtores precisam de prazos longos para equacionar os custos no fluxo de caixa e o mercado precisa desenvolver-se para ganhar escala no fornecimento de mudas e serviços de baixo custo. É preciso ter financiamento e - por que não? - algum subsídio governamental, como hoje ocorre nos países desenvolvidos. De preferência, um subsídio estadual atrelado aos programas de conservação de bacias hidrográficas. A nova lei, por sua vez, precisa dar tempo para que tudo isso ocorra, para não pôr todos os produtores na ilegalidade novamente.
Mais importante que definir qual a faixa a ser recuperada é criar as condições para essa recuperação se dar na prática. Com elas é possível manter a recuperação das vegetações ripárias no novo Código Florestal como aprovada no Senado. Veremos qual será a escolha da Câmara.
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