sábado, abril 07, 2012

O preço do protecionismo - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 07/04/12


Não causou surpresa a dura advertência feita por 40 países contra as medidas protecionistas que o governo argentino vem adotando desde 2008, as últimas das quais datam de fevereiro. Essas medidas distorcem as relações comerciais e afetam o abastecimento do mercado argentino, mas o governo de Cristina Kirchner continua a ampliar as restrições à entrada de produtos importados, sob a alegação de que assim estimula a produção local. Até mesmo o Brasil e outros sócios da Argentina no Mercosul, que em tese é uma união aduaneira, têm sido prejudicados pelas barreiras comerciais erguidas pelo governo Kirchner. Era apenas uma questão de tempo para que outros parceiros da Argentina levassem a questão à OMC.

A queixa contra a Argentina foi apresentada por um grupo de países liderados pelos Estados Unidos e do qual fazem parte, entre outros, integrantes da União Europeia, Austrália, Japão, Coreia do Sul e dois países latino-americanos, México e Panamá - e deve ser vista com atenção por Brasília, pois muitos desses países já afirmaram que as alíquotas seletivas do IPI sobre automóveis importados, aplicadas pelo governo brasileiro, ferem as regras do comércio mundial.

O documento observa que, nos últimos anos, a Argentina ampliou a lista de produtos sujeitos à licença prévia de importação e que, em fevereiro, tornou ainda mais complicada a obtenção dessa licença, cuja concessão passou a depender de um número maior de órgãos federais e da apresentação de mais documentos. A OMC aceita o emprego desse mecanismo de controle das importações desde que a licença seja concedida no prazo máximo de 60 dias. Mas os países que apresentaram a queixa consideram que a forma como a Argentina está utilizando essa restrição constitui uma prática "inapropriada" para um membro da OMC. "Tudo indica que o novo sistema funciona como um esquema de facto de restrição de importações de todos os produtos", afirma o documento.

Os países que assinam o documento observam também que a política kirchnerista de controle de importações tem um componente informal, que exige da empresa importadora o compromisso de exportar mercadorias pelo menos em valor igual ao importado, num esquema chamado de uno por uno. "Muitas empresas afirmam haver recebido telefonemas do governo argentino advertindo para a necessidade de aceitar esse novo sistema antes de receber autorização para importação", diz a queixa.

A formalização da queixa é o passo que antecede a apresentação de denúncia formal contra a Argentina por práticas ilegais de comércio. Se acatada a denúncia, a Argentina ficará sujeita a sanções. Mas o governo Kirchner, mais interessado em propagar seu discurso nacionalista, não parece preocupado com essa possibilidade. A palavrosa resposta da chancelaria argentina à queixa contém ataques aos países industrializados e bravatas, como a de que o governo Kirchner "não vai permitir pressões externas nem internas", mas nenhum argumento técnico.

O setor produtivo e os consumidores argentinos já pagam algum preço por essas medidas, que levam à escassez de diferentes bens. Há algumas semanas, a Câmara de Importadores da Argentina (Cira) denunciou a falta de insumos para quase todos os setores industriais, o que colocava em perigo a operação regular das linhas de produção. O diretor de relações institucionais da Cira, Miguel Ponce, informou ao jornal Valor que, dos 164 mil pedidos de importação apresentados ao governo desde o dia 1.º de fevereiro, 51 mil ainda não foram liberados.

Começa a faltar o essencial para a operação da indústria de confecção - o tecido, que é importado. A indústria de refrigeradores sofre com a falta de um componente básico de seu produto final, que é o compressor, igualmente importado, sobretudo do Brasil. A de liquidificadores sente a escassez de copos, que vêm da China. Até mesmo o comércio de alimentos, de que a Argentina é grande produtora, começa a ser afetado, pois faltam determinadas partes do porco - importadas do Brasil - para a produção de embutidos. A ilusão kirchnerista da autossuficiência pode virar um pesadelo.

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