A revisão da nota da França não só era esperada como inevitável. A Standard&Poor´s já tinha avisado que o rating estava sob revisão, o mercado já estava cobrando juros de país com nível abaixo de AAA. O risco francês só não havia sido rebaixado porque a agência recuou após o rebaixamento americano. A decisão encerra a série de bons leilões de dívida europeia dos últimos dias.
Itália e a Espanha conseguiram rolar esta semana suas dívidas em níveis mais baixos que em leilões anteriores. Essa onda boa se encerra a partir do momento em que a maior agência rebaixou a França; a Austria, outro país AAA; e encrencados como Espanha e Itália. O título português foi rebaixado a lixo, e outros quatro países também sofreram corte. Os italianos desceram dois níveis e se igualaram à nota brasileira. Mas nenhum desses movimentos era inesperado.
A França tem uma dívida de 86% do PIB, e um déficit de 5,8% do PIB, o que significa que o total da dívida vai continuar crescendo. Isso mostra que não fazia sentido continuar a classificar a dívida com o triplo A. A manutenção francesa no nível que significa risco zero só se justificava por motivos políticos.
A situação econômica da Europa tem várias incertezas este ano: os países precisam fechar o pacto fiscal até o fim do março; os bancos precisam cumprir novas exigências de capital; a situação da Grécia permanece em aberto porque o acordo de redução da valor da dívida chegou ontem a um impasse. Um dos acontecimentos negativos dessa lista era o rebaixamento da França. A redução do rating vai interromper o momento de melhoria leve da confiança nos países e na solução que está sendo costurada por Alemanha e França. Haverá consequências diretas sobre o Fundo de Estabilidade Financeira, criado para socorrer países como a Grécia, Irlanda e Portugal. Ele precisa ser financiado por países de risco AAA. Agora, há dois a menos:
- O Fundo Europeu não tem dinheiro vivo, mas sim o compromisso dos países de financiá-lo caso algum governo precise. Com o rebaixamento de França e Áustria, o conjunto de fiadores AAA para o Fundo fica menor. Isso tem um efeito ruim sobre a percepção de risco da Europa e deve tornar mais cara a rolagem das dívidas dos países problemáticos - disse a economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria.
O rebaixamento francês ocorre a apenas 100 dias das eleições e vai dificultar os planos do presidente Nicolas Sarkozy de se reeleger. Uma troca de comando no país poderá significar um recuo de várias casas no caminho da unificação fiscal da Europa. A decisão da S&P também torna mais desigual a Zona do Euro. A diferença entre os juros pagos pelo governo francês, em relação ao governo alemão, atingiu ontem recorde de 130 pontos, para títulos de 10 anos. Apesar de estarem em uma mesma união monetária, cada governo está captando recursos a juros muito diferentes.
O dia ontem ganhou contornos mais dramáticos com o anúncio de que não avançaram as negociações sobre o calote "ordenado" da Grécia. O país negocia com credores uma redução de 50% de sua dívida. Monica de Bolle explica que há três caminhos para se chegar a esse percentual: alongamento da dívida; redução de juros; corte do valor de face dos títulos:
- Os credores preferem alongar o prazo porque assim não precisam contabilizar perdas nos balanços. Mas o corte da dívida grega é muito grande, e será preciso mexer nos juros e no valor de face. Isso torna a negociação muito mais difícil - explicou.
As decisões das agências, apesar de todas as críticas merecidas que têm recebido, continuam tendo influência no mercado, principalmente das duas maiores: Standard&Poor´s e Moody´s. Com base nessas notas é que os investidores e instituições tomam decisões sobre quanto comprar de dívidas desses países. Além disso, após o rebaixamento, começa a sucessão de revisão das notas das empresas e bancos dos países atingidos. Isso realimenta o pessimismo, que acaba, neste mundo globalizado, afetando todos os outros mercados. Ontem, o dólar subiu no Brasil e o Ibovespa caiu em função dessa notícia que não tem nada a ver conosco.
A redução francesa não terá impacto tão forte quanto a redução da nota americana. Primeiro, porque os EUA sempre foram considerados como o emissor dos papéis de referência; segundo, o país foi considerado risco zero por 70 anos. O rebaixamento francês não tem a mesma dramaticidade, era considerado questão de tempo. Mesmo assim, interrompe o bom momento que se delineava na Europa.
O fato ajuda a lembrar que a Europa é uma crise em evolução. Ainda não se sabe a solução do problema e esse é um ano que os dois principais líderes, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, avisaram que seria difícil. E políticos não costumam dar más notícias nas viradas de ano. Há outros temores na linha do horizonte como o de que alguns bancos europeus tenham dificuldade de captação no momento em que as autoridades bancárias exigem elevação do nível de capital das instituições. Se houver quebra de algum banco, os governos terão menos capacidade de socorrê-lo. Esses eventos que são esperados e temidos vão manter a situação instável pelo menos no primeiro semestre deste ano. O segundo tem chance de ser mais tranquilo.
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