terça-feira, janeiro 24, 2012
Parafusos espanados - JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 24/01/12
Sempre que se instala um período de valorização do câmbio - e esse tem sido um evento recorrente na história econômica brasileira recente -, recrudesce a polêmica sobre a tendência à desindustrialização no Brasil e a necessidade de "políticas industriais" capazes de revertê-la. É um debate sem fim e, pior, sem resultados práticos.
O indicador da suposta desindustrialização, de aceitação mais ou menos generalizada, é a gradual redução da participação da indústria no PIB. De fato, em 30 anos, a fatia da indústria caiu pela metade - de 30%, em 1980, para pouco mais de 15%. Nesse período, a indústria brasileira regrediu de uma produção que superava China, Coreia do Sul, Tailândia e Malásia somadas para apenas 15% do total do que elas produzem hoje.
Existe um diagnóstico também genérico a respeito do fenômeno. Ele se deveria a perdas de competitividade relativa, que dificultam exportações e facilitam importações substituidoras de produção doméstica. Daí em diante, porém, ninguém se entende.
De um lado, há quem encare essa situação com um misto de conformismo em relação à trajetória do câmbio, uma visão benigna do avanço dos serviços em detrimento da indústria no perfil da economia e críticas ao "custo Brasil" - conjunto de obstáculos tributários, trabalhistas e burocráticos muito maiores que os existentes nos competidores.
Há, de outro lado, os que concentram o foco da perda competitiva nos movimentos das cotações do dólar, recomendando compensá-la com ações de política cambial, defesa comercial e medidas específicas para as indústrias afetadas.
A verdade é que concluir que o País evolui para uma economia de serviços, replicando as sociedades pós-industriais, soa tão enganoso quanto insistir no ativismo cambial e no protecionismo comercial. Uma consulta às tabelas de ocupações e rendimentos por atividade do IBGE realça a esquisitice da tese da "economia de serviços", ainda que os serviços já respondam por 70% do PIB e das ocupações. O que se constata é que essa "economia de serviços" é uma economia de serviços precários demais e dinâmicos de menos - trata-se antes de uma patologia derivada da baixa qualidade dos empregos e da mão de obra disponíveis.
Um terço dos trabalhadores do setor de serviços, no Brasil, é remunerado, em média, com menos de 2 salários mínimos mensais e metade não ganha mais de 3,5. Na economia americana, verdadeiramente pós-industrial, pelo menos um terço das ocupações remuneram, em média, dez vezes mais.
Também as "políticas industriais" de caráter protecionista parecem desprezar o processo de adensamento e alongamento das cadeias de produção industrial, com terceirizações, outsourcings e integrações típicos dos serviços.
A moral dessa história toda é que a polêmica da política industrial acaba se parecendo com o esforço para soltar um parafuso espanado - a insistência no método convencional só resulta em perda de energia.
É preciso formular e aplicar políticas para a indústria - como, aliás, é costumeiro em todos os cantos do mundo -, mas para a indústria de hoje, não a de ontem. Muitíssimo arriscado deixar a economia atrelada a fatores externos - no caso atual, cotações de commodities nos mercados externos e ingressos de recursos externos que vazam de um anômalo excesso de liquidez global.
Só que, para tanto, talvez não baste atacar distorções tributárias, trabalhistas, financeiras e burocráticas. Nada disso, nem em conjunto com taxas de câmbio desvalorizadas, impedirá perda de mercados, dentro e fora do País. Diante dos novos processos de produção, uma política competitiva eficaz terá também de alcançar o setor de serviços, abrindo espaço a empregos de mais qualidade, agregadores de valor à produção industrial.
Exemplo disso é o da indústria têxtil e de vestuário. Inútil competir com os chineses em tecidos básicos e camisetas padronizadas. Ou, como fez o governo, recentemente, baixar pacotes específicos de proteção. Mas, e se a indústria buscar mais valor, produzindo artigos de grife ou design diferenciado? Não é essa a explicação para o êxito internacional, com ou sem chineses, câmbio, carga tributária e todos os demais et cetera, da "moda praia" brasileira?
O poder de competição, nos tempos atuais, continua a depender do câmbio, de um ambiente propício aos negócios e de mão de obra qualificada. Depende, porém, mais ainda da integração das cadeias produtivas, nas quais a indústria desempenha o papel crucial de elo indutor de mais e mais partes interdependentes.
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