FOLHA DE SP - 05/01/12
Para quem viu o Brasil quebrar pelo menos meia dúzia de vezes (entre os 1980 e 2002), é um espanto. Pouco antes do início do governo FHC (1995), este país ainda renegociava calotes. Mesmo deixando de lado essas memórias meio velhuscas, algum espanto permanece.
Decerto há dinheiro de sobra no mundo rico, há três anos com taxa de juro básica zerada e, no caso americano e britânico, "imprimindo" moeda. Sim, com juros zerados, economias quase estagnadas e empresas cheias de caixa (nos EUA, pelo menos), não há muito uso rentável para o capital sobrante.
Ainda assim, os donos do dinheiro grosso do mundo estão com medo. Guardam muito dinheiro no colchão -deixar fundos aplicados em títulos do governo americano com juro negativo é guardar dinheiro no colchão (em alguns casos, há ganho de capital, de valorização dos títulos, mas essa é outra história).
Além do mais, ainda ninguém sabe que bicho vai dar na Europa -se haverá catástrofes maias do gênero quebra de bancos ou de governos. Há pessimistas bem pagos e doutores em econometrias que preveem até a redução pela metade do crescimento chinês, o que seria um desastre inca-maia-asteca.
Enfim, mesmo com todo esse tumulto, o governo do Brasil tomou dinheiro emprestado a 3,5% ao ano, como "nunca antes". E daí?
Observe-se primeiro que o governo do Brasil não precisa pegar dinheiro emprestado no exterior a fim de pagar e refinanciar contas -precisa de bem pouquinho. O interesse da operação é testar o "risco" e o "custo Brasil", como que fixando um piso a partir do qual o mercado calcula taxas para empresas.
Isto posto, não se trata de dizer que qualquer empresa, a qualquer tempo, pode pegar dinheiro emprestado barato para financiar projetos ou refinanciar dívidas. Tudo depende dos humores da feira mundial de dinheiro, que varia de um dia para o outro. Mas a taxa paga pelo governo do Brasil indica que somos um cliente com muito bom crédito.
A boa vontade dos donos do dinheiro grosso com o Brasil vem se somar a indicadores algo mais desconcertantes (mas positivos) das contas externas brasileiras.
No início do ano passado, a média dos economistas do mercado ouvidos pelo Banco Central previa que viriam uns US$ 40 bilhões de investimento estrangeiro direto ("na produção") para o Brasil. Devem ter vindo uns US$ 65 bilhões, 62,5% mais. O saldo comercial seria de uns US$ 10 bilhões -foi quase o triplo, cerca de US$ 29,7 bilhões.
Parte dos erros se deve ao fato de que se previa crescimento muito maior do Brasil (o quíntuplo para a indústria, 65% mais para o PIB etc.). Mais consumo, mais deficit externo.
Mas isso não explica nossos erros de percepção sobre a avalanche do investimento externo e do fluxo financeiro (mesmo barrado a pauladas de IOF) e sobre o bom preço das commodities que exportamos.
Não estamos entendendo direito a "inserção internacional" do Brasil. Pior, talvez estejamos perdendo a oportunidade de aproveitar a maré favorável para fazer mudanças.
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