quarta-feira, novembro 16, 2011

A velha máxima - ALON FEUERWERKER



CORREIO BRAZILIENSE - 16/11/11


Resta a Assad e aliados ameaçar o mundo com a conflagração geral. Mas uma regra não escrita ensina que ameaçar com o caos e o apocalipse é recurso dos fracos, nunca dos fortes
Pouco menos de um ano após a eclosão das revoltas árabes, o processo parece longe de estancar. A bola da vez é a Síria, cujo regime caminha para o isolamento irreversível e o fim previsível. 
Claro que em política tudo, ou quase, é possível. Mas se Bashar Assad sobreviver ao cerco será um milagre daqueles. Para figurar em páginas nobres nos livros de história. 
Tem restado a Assad e aliados ameaçar o mundo com uma conflagração em larga escala. No cenário mais apocalíptico, Irã e Hezbollah arrastariam Israel ao conflito, alterando o caráter da disputa. 
Parênteses. Uma regra não escrita ensina que ameaçar com o caos e o apocalipse é recurso dos fracos, nunca dos fortes. 
Na universalização do conflito agitada por Damasco a luta para apear um regime despótico cederia lugar ao combate pan-islâmico contra os Estados Unidos e seu campo. 
E o movimento das massas árabes e islâmicas viveria uma mudança qualitativa, passaria a um novo patamar. Anti-imperialista. 
Mas é improvável que aconteça assim. 
Durante a Guerra do Golfo, Sadam Hussein lançou mísseis sobre Israel para tentar provocar uma resposta israelense, o fato novo que permitiria ao líder iraquiano romper a frente adversária que se fechava sobre ele como tenaz. 
Ação militar em que aliás a Síria estava aliada aos Estados Unidos. 
Não deu certo. As tropas iraquianas foram expulsas do Kuait e uma década depois o próprio Sadam acabou na forca. 
A Síria terá dificuldade de arrastar outros jogadores para o palco do infortúnio exatamente porque cada um zela em primeiro lugar pelo próprio pescoço. 
E os regimes árabes e muçulmanos, mais ou menos despóticos, cuidam neste curto prazo, antes de tudo, da própria sobrevivência. O episódio líbio deve ter sido pedagógico. 
É improvável que as imagens de um antes poderoso Muamar Kadafi barbaramente agredido, seviciado e morto não tenham tido efeito dissuasório entre os colegas. Pelo menos entre os que ainda não cruzaram o rubicão. 
E os sinais emitidos pelas potências são claros: há espaços na nova ordem, desde que o sujeito não tenha ultrapassado certos limites. E que escolha o lado, digamos, certo. 
Um bom exemplo é o Líbano. O Hezbollah é a força hoje hegemônica, vem no ápice do poderio militar, mas anda politicamente tolhido, exatamente pelo peso específico que alcançou. 
Eventual ataque da guerrilha xiita a Israel desencadearia contra-ataque devastador. E as demais forças libanesas não parecem dispostas a provocar uma tragédia nacional para defender a enfraquecida cúpula alauita de Damasco. 
O momento do Irã é semelhante. Os iranianos precisam de tempo para concluir os passos necessários ao domínio da tecnologia nuclear bélica. Todos os movimentos de Teerã são para “comprar” tempo. 
Inclusive para decidir se vão até o fim na empreitada. Uma dúvida com potencial para rachar o núcleo dirigente. Pois no melhor desdobramento o Irã se transformaria na potência regional hegemônica. Mas há o pior, em que deixaria de existir como nação independente. 
Uma escolha e tanto. 
Na operação para obter tempo o Irã conta com blindagens importantes, o Brasil incluído. Escorregar para a guerra prematuramente seria um erro. Correria o risco de perder aliados políticos e não teria chance no cenário militar. 
O colapso de Assad constituirá um problema para Teerã, mas sempre será possível buscar o modus vivendi com eventuais sucessores. 
Afinal, o Oriente Médio comprova a velha máxima de que a política é também a arte de estar pronto a se aliar com qualquer adversário, e a romper com qualquer aliado. 
E agora? 
O relatório mais recente da Agência Internacional de Energia Atômica deixa claros os passos do Irã para trilhar o caminho do poderio nuclear para fins militares.
Aguarda-se o que o Brasil fará a respeito. Provavelmente nada. O que apenas reforçará uma suspeita. Alguém concluiu, por algum motivo, que o Brasil tem a ganhar com um Irã nuclear. 
Falta só explicar ao povo brasileiro o porquê. 
Lá atrás o Brasil podia pretextar uma dúvida razoável a respeito dos objetivos bélicos do programa iraniano. Luiz Inácio Lula da Silva agarrou-se nisso até o fim.
Mas, e agora?

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