O investimento perde o vigor
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S. Paulo - 13/11/2011
A perda de fôlego da economia brasileira foi mais severa do que a MB esperava. A indústria tomou um tombo, caindo 2% em setembro frente a agosto; os segmentos que mais sofreram foram os bens de capital e os bens duráveis, com queda de 5,5% e 9,0%, respectivamente. O comércio, sem os efeitos sazonais, saiu-se um pouco melhor, crescendo 0,6% em setembro em relação a agosto no conceito restrito e 0,9% quando se adicionam os setores de material de construção e automotivo.
O mais importante em setembro foi a desaceleração do crescimento nos rendimentos nominais dos trabalhadores por conta própria e sem carteira, segmentos mais sensíveis às variações do mercado de trabalho. Com tudo isso, reduzimos nossa previsão do PIB para este ano de 3,8% para 3,1%. Ainda assim, acreditamos que as vendas do Natal serão bastante razoáveis.
Entretanto, a surpresa mesmo está na área do investimento. O quantum de importações de bens de capital, que vinha crescendo mais de 35% em meados do ano passado, tomou um tombo, caindo 4,7% no terceiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior.
A produção de bens de capital, por sua vez, veio de números superiores a 20% para uma expansão de apenas 4% no terceiro trimestre. Os insumos típicos da construção civil também desaceleraram fortemente, para números inferiores a 4% de expansão. Com isso, é bastante provável que a taxa de investimento deste ano ainda se mantenha inferior a 20% do PIB.
A perda de vigor dos investimentos parece estar relacionada a três grupos de fatores. Em primeiro lugar, a crise internacional está produzindo certas mudanças nas corporações americanas e europeias. Em 2009 e 2010, essas empresas pressionavam fortemente as filiais brasileiras para acelerar sua expansão tendo em vista compensar, em alguma medida, a contração de seus mercados.
Neste ano, o comportamento mudou em vários casos: apesar dos bons resultados financeiros, muitas companhias estão tão assustadas com a possibilidade de uma nova recessão que, preventivamente, já separam recursos para bancar novas rodadas de redução de seu tamanho. Ao mesmo tempo passam a exigir mais cautela de suas filiais, reprogramando sua expansão.
Outro efeito da crise externa foi a elevação do custo financeiro do passivo externo de muitas companhias nacionais, consequência da desvalorização do real, o que vai ficando claro à medida que os balanços do terceiro trimestre são publicados.
Em segundo lugar, existe claramente no Brasil alguma substituição de investimento local por investimento em outros países. Embora em muitos casos a razão básica seja ficar mais perto dos clientes, é crescente a proporção de novos projetos no exterior que decorrem da perda de competitividade sistêmica do Brasil, tema que já tratei neste espaço em abril deste ano (A produção brasileira marcha para o exterior).
Custos muito altos em nosso país estão levando muita gente a investir no Uruguai, Paraguai, Peru, América Central, México e Estados Unidos. Nestes dois últimos países, como discuti há quinze dias, as condições de produção estão cada vez mais competitivas. De lá para cá, Iochpe e Weg, por exemplo, anunciaram importantes investimentos na América do Norte.
Entretanto, o que atrapalha mesmo o investimento são as limitações locais, cada vez mais importantes. Custos crescentes de implantação (inclusive por dificuldades de licenciamento de vários tipos), regulação deficiente e incerta e custos de operação cada vez mais elevados parecem ser os mais importantes. A redução de margens de operação e a incerteza diminuem a taxa de retorno dos investimentos, enquanto que a alta nos custos de implantação piora a equação financeira.
Existem muitos exemplos de setores que têm tudo, do ponto de vista da demanda, para estar se expandindo aceleradamente, mas que mostram menor velocidade no crescimento da capacidade produtiva. No caso do etanol, existem poucos empreendimentos novos (a grande exceção é a ETH) e muitos problemas na produção de cana, de sorte que estamos importando álcool dos Estados Unidos e consumindo cada vez mais gasolina. Não se espera o atendimento adequado da demanda antes da safra 2016/17.
Na área energética a maior parte das obras de transmissão de energia em alta tensão está muito atrasada. A transposição do São Francisco e a Transnordestina vão na mesma direção. O mesmo ocorre nas obras nas rodovias federais onde existe cobrança de pedágio.
Finalmente, o programa de expansão na área de petróleo tem se mostrado excessivamente ambicioso e com atrasos recorrentes nos diversos projetos. Por exemplo, consideremos o caso do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), plano decidido em 2007 para entrar em operação em 2012: hoje, o melhor cenário é a operação em 2017. O aperto de caixa da Petrobrás, os problemas no atendimento do conteúdo nacional exigido e recorrentes estouros no orçamento sugerem que os atrasos médios de 13% em relação às metas, verificado no período recente, vão se elevar.
Muitas outras companhias estão hoje em processo de revisão de seus cronogramas de implantação.
O Brasil tem um evidente problema na oferta, que é anterior a atual crise europeia, mas que pode ser agravada por ela. Alguma desvalorização cambial, dinheiro barato do BNDES, mais intervenção governamental e confeitos tributários não são mais capazes de mover decisivamente o investimento. A combinação da crise e das nossas limitações locais resulta num peso considerável para os próximos anos.
No último artigo publicado neste espaço (Na crise, a indústria global se movimenta), mencionei o efeito dos problemas no Japão, decorrentes do tsunami e do acidente nuclear, sobre certas cadeias produtivas, levando a uma decisão de elevar os estoques mínimos de determinados insumos. Pois bem, ainda não houve tempo para grandes ações práticas, e as enormes enchentes na Tailândia estão produzindo um novo choque de oferta, especialmente na área automotiva e de discos rígidos para computadores. A Tailândia concentra 30% da capacidade mundial destes últimos produtos. Toyota e Honda suspenderam as projeções de resultados até terem melhor avaliação dos efeitos sobre sua produção.
Acaso. Fernanda Montenegro, em bela atuação, abre o texto Viver sem tempos mortos, dizendo que somos comandados pelo acaso. Ninguém poderia imaginar o tiro da Grécia no acordo europeu que havia acabado de ser concluído. As razões para pessimismo com a região se avolumam.
Lição. A quebra da corretora MF Global, liderada por um ex-craque da Goldman Sachs, mostrou que pelo menos parte de Wall Street não aprendeu nada com a crise. A empresa tinha US$ 44,44 bilhões de dívida para US$ 1,4 bilhão de capital. Uma alavancagem de 32 vezes, na volatilidade do mundo de hoje, é uma maluquice, a qualquer critério, quanto mais para especular quanto ao futuro do sul da Europa. Para completar o serviço, até hoje algumas centenas de milhões de dólares de clientes ainda não haviam sido localizados. O caso revelou que os reguladores americanos ainda estão muito atrás das necessidades do mundo de hoje.
Finalmente, mostrou também que o setor financeiro global ainda está muito grande para o PIB atual e futuro do mundo rico; vai ter de encolher bem mais.
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