O paraíso das frutas podres
GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
Rousseff tem um jeito peculiar de desafiar a corrupção: prestigiar os donatários de capitanias apodrecidas
Rousseff desafia a corrupção. Essa manchete foi publicada pelo jornal francês Libération, na passagem da presidente brasileira por Cannes, na reunião do G20. Orlando Silva acabara de cair, e o artigo concluía que, com a demissão do sexto ministro, Dilma se emancipava de Lula. Não interessaram ao jornal de esquerda as reuniões de emergência entre criador e criatura para tentar salvar a cabeça do ministro do Esporte. Nem a frase da presidente após a demissão:"Orlando Silva não perde meu respeito". O que o Libération acha da relação de Dilma com Carlos Lupi?
Não interessa. O que essa imprensa europeia progressista" e decadente publica não tem, de fato, a menor importância. Interessa é que boa parte da opinião pública brasileira, incluindo a que lê francês, acha que Rousseff desafia a corrupção.
Rousseff tem um jeito peculiar de desafiar a corrupção. É um desafio, por assim dizer, carinhoso. Por uma impressionante coincidência, as máquinas dos Transportes, da Agricultura, do Turismo, do Esporte e do Trabalho serviam a formas quase idênticas de sucção pelo PR, pelo PMDB, pelo PCdoB e pelo PDT - fiadores do PT e do Plano Dilma. É notável, ainda, que toda essa tecnologia dos convênios com ONGs e entidades companheiras provenha do tempo em que Rousseff mandava na Casa Civil. Segundo Lula, ela coordenava todos os projetos do governo.
Mais curioso ainda: mesmo depois de a imprensa mostrar que esses pedaços do Estado brasileiro tinham virado capitanias partidárias, com seus donatários já caindo de podres,Rousseff fez questão de prestigiá-los, um por um. Nunca se desafiou a corrupção com tanta compaixão.
O chefe de gabinete do ministro do Trabalho e o tesoureiro do PDT eram a mesma pessoa. E atenção: isso não era segredo. Responsável pelas finanças do partido, Marcelo Panella ajudou a cozinhar mais de 500 relatórios de prestação de contas no ministério, que, segundo o Tribunal de Contas da União, sumiram nas gavetas da gestão Carlos Lupi. Nesse paraíso de convênios invisíveis, multiplicam-se histórias demanejo desinibido de dinheiro público - como no caso da ONG campeã de verbas em Minas Gerais. Essa ONG, com o imodesto nome de Instituto Mundial de Desenvolvimento da Cidadania, passou a ser investigada pela Polícia Federal depois de um evento desagradável. Um funcionário seu sacou numa agência bancária R$ 820 mil em espécie, às vésperas das eleições de 2010. Tudo normal, se o portador da ONG não tivesse tido o azar de ser assaltado. Perder dinheiro não é problema no Ministério do Trabalho, o chato é perder a discrição. Foi aberto um inquérito, em que consta que dirigentes da ONG pediram aos funcionários do banco para declarar à polícia que o saque fora só de R$ 80 mil. Um abatimento de 90%, em nome da modéstia.
O Ministério Público Federal suspeita de uso da ONG para caixa dois eleitoral. Mas deve estar enganado. O donatário do ministério e mandachuva do partido era Carlos Lupi, que tinha a total confiança de Rousseff. E Rousseff, como se sabe, desafia a corrupção.
Apareceu então uma denúncia de cobrança de propinas para liberar verbas do Ministério do Trabalho. Francamente, para que propina numa simbiose que já funciona tão bem? Só se foi a força do hábito.
Em meio atanto denuncismo,Rousseff, a chefe dos chefes, decidiu falar em cadeia nacional de rádio e TV. Para a surpresa geral, não se referiu ao único assunto que justificaria a urgência de um pronunciamento à nação. Anunciou a criação de dois programas de saúde pública, prometendo um choque de eficiência no setor. Não ficou claro que modelo de eficiência será adotado, mas possivelmente seja o do Ministério do Trabalho - e aí terá feito sentido a oportunidade do anúncio.
Há também o modelo do Ministério da Educação, testado e aprovado. Por três anos seguidos, o ministro fez política para valer e não cedeu ao denuncismo em torno do Enem. Foi premiado com a candidatura a prefeito de São Paulo.
Pelo histórico de seu primeiro ano de governo, Rousseff tem à disposição vários modelos de eficiência na gestão da coisa pública. O Brasil já conhece bem cinco deles, cada um mais criativo no desafio à corrupção do anterior. Se há algum outro, deve estar guardado a sete chaves.
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