Guerra suja na Anabb
RENATA MARIZ
CORREIO BRAZILIENSE - 29/10/11
Denúncias de roubo, extorsão e até agressão física colocam em risco seguros de vida pagos por cerca de 27 mil funcionários do Banco do Brasil. Disputa interna já virou caso de polícia
Dez pessoas, em média, procuram mensalmente a Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (Anabb) para esclarecer problemas sobre os seguros de vida que contrataram. Trata-se de associados com dificuldades em receber sinistros ou premiações em vida, garantidos por meio de sorteios pela loteria federal. Os percalços que enfrentam explicam-se pela substituição, em março deste ano, da seguradora e da corretora que prestavam serviços à entidade de classe, numa transação que já rendeu boletins de ocorrência policial, processos na Justiça e no Ministério Público, além uma ação na Superintendência de Seguros Privados (Susep), do Ministério da Fazenda. As acusações vão da falsificação de documentos à apropriação indevida de quase R$ 4 milhões, e passam por tentativas de extorsão e até de agressão física.
Nessa briga, sobram versões acerca dos motivos da transferência da seguradora — no lugar da Tokio Marine, entrou a Icatu Seguros — e da corretora — a Guard Administração e Corretora de Seguros foi substituída pela Just Life Corretora e Administradora de Seguros — pela Anabb. A entidade garante que diversas ilegalidades foram feitas pela antiga corretora, de propriedade de Jadir Gomes, obrigando uma rescisão tanto com a Guard quanto com a Tokio Marine para garantir proteção aos cerca de 27 mil beneficiários diretos dos seguros. Já Gomes alega que a apólice que construiu desde o primeiro segurado, numa modalidade que lhe garante exclusividade sobre a carteira, foi roubada por Valmir Camilo, dono da Just Life e ex-presidente da Anabb entre 1996 e 2010.
Pagamentos
Para Camilo, o fato de a nova corretora dos seguros da Anabb ser de sua propriedade não representa um conflito de interesses. Ele, que comandou a entidade de classe dos funcionários do BB por 14 anos, hoje é apenas mais um associado. “Você não encontra um corretor de confiança em qualquer esquina. Ainda mais que abrisse mão do agenciamento para pagar apólices que não haviam sido comunicadas pela corretora anterior”, justifica. De acordo com ele, nos primeiros seis meses de 2010, apenas 24 sinistros foram pagos pela Tokio Marine intermediadas pela Guard Corretora, enquanto, no mesmo período de 2011, já sob a administração da Just Life, houve 94 pagamentos. “A corretora anterior deixava de comunicar os sinistros para receber bônus da seguradora”, acusa.
Gomes, dono da Guard Corretora, não apenas nega as acusações como alega ter sofrido uma tentativa de extorsão de Camilo, para quem teria depositado R$ 3,6 milhões, entre março e maio de 2010, na ocasião da troca de seguradora, da Icatu para a Tokio Marine. “Quando ocorre essa transferência, gera a figura do agenciamento, um valor que a nova seguradora oferece, comum e legal no mercado. Eu abri mão disso em favor da Anabb. O Camilo me deu, então, o número da conta da empresa dele, a Just Life. Autorizei os depósitos, mas soube que esse dinheiro nunca chegou à Anabb”, afirma, ao apresentar o que diz ser as cópias das transferências. “Em março deste ano, ele me pediu mais dinheiro. Como eu não dei, simplesmente trocou de seguradora, voltando para a Icatu, e levou a apólice para a corretora dele — uma apólice montada com meu suor, com venda de porta em porta”, sustenta.
Confiança
“Nunca recebi nenhum centavo da Tokio Marine”, rebate Camilo. Emílio Ribas, presidente da Anabb, endossa a declaração do ex-dirigente. “Não existe esse bônus. O doutor Valmir (Camilo) saiu da entidade para poder acionar o Jadir (Gomes), que no desespero faz denúncias sem critérios. Pela conduta e atenção com que (Camilo) sempre conduziu os trabalhos da Anabb, não havia motivos para não contratar a seguradora dele. É uma questão negocial e de confiança entre pessoas que fazem um bom trabalho”, destaca Ribas. A ata da reunião em que ficou decidida a troca de seguradora e de corretora existe, mas não pode ser apresentada, segundo o presidente da Anabb, por se tratar de um documento interno que depende da autorização dos demais conselheiros para divulgação.
Em meados deste ano, o Conselho Fiscal da Anabb foi pressionado por alguns integrantes a investigar mais a fundo as denúncias das irregularidades, mas optou por uma apuração prévia. “Por quase unanimidade, a proposta de apurar preliminarmente, antes de instalar uma comissão de ética, foi aprovada. Se abro um processo, a situação de desconfiança para os associados, no meio de uma eleição, seria muito ruim. Queremos evitar conotação política nesse caso”, justifica Ribas.
Ele garante que a varredura na Anabb continuará, a fim de identificar todos os associados possivelmente prejudicados pela “gestão inadequada” da Guard Corretora e corrigir os problemas. As duas seguradoras foram procuradas, mas não deram detalhes do caso. A Susep não deu retorno à reportagem.
Acusações
O mais recente capítulo da guerra de acusações é uma ocorrência policial, registrada em 19 de outubro, na Polícia Civil do Distrito Federal, em que Jadir Gomes requer abertura de inquérito policial contra Emílio Ribas, presidente da Anabb, e outros dirigentes da entidade, devido à veiculação de notícias no site da instituição sobre supostas irregularidades cometidas por sua corretora de seguros. Ele acusa os citados de calúnia, infâmia e difamação.
Ilegalidades
Em resposta a um pedido de instauração de inquérito civil, feito pelo antigo corretor da apólice de seguros da Anabb ao Ministério Público do Distrito Federal, a entidade listou as irregularidades que teriam motivado o fim do contrato com a Guard Corretora e com a Tokio Marine. Entre elas, estão a retenção dos valores a serem pagos pelos sinistros, ausência de comunicação dessas ocorrências, divergências entre valores e até falsificação de documentos.
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