segunda-feira, agosto 15, 2011

JOSÉ MILTON DALLARI - Falta reconstruir a indústria


Falta reconstruir a indústria
JOSÉ MILTON DALLARI
O GLOBO - 15/08/11

É válido o esforço do governo brasileiro para conter a valorização do real frente ao dólar. Mas as medidas anunciadas recentemente - maior tributação das operações financeiras especulativas com dólar e a desoneração de setores da indústria nacional prejudicados pela concorrência estrangeira - podem ser classificadas apenas como emergenciais. Por enquanto, não há sinais de que a trajetória de queda do dólar no Brasil e no mercado internacional seja interrompida em breve. A moeda americana pode até se estabilizar, mas não terá força para se valorizar muito. Há uma razão muito forte para isso. O presidente Barack Obama perdeu a confiança dos americanos de que conseguirá, no curto prazo, recuperar o crescimento da economia dos EUA. Muita gente perdeu o emprego e a casa com a crise dos bancos.

O governo Obama ajudou os bancos quebrados, mas deixou de lado essa massa de trabalhadores que foi posta na rua. Agora com o corte de quase US$1 trilhão no orçamento, nos próximos anos - resultado da briga política entre republicanos e democratas - Obama terá muito menos dinheiro para gastar. Foi um balde de água fria em qualquer perspectiva de retomada de crescimento. É essa crise de confiança que está chacoalhando as bolsas de valores do planeta e fazendo o valor da moeda americana despencar. E, sem querer ser catastrofista, se a crise nas maiores economias europeias se aprofundar - leia-se Itália e Espanha - o cenário pode ficar ainda pior para os americanos. Isso porque a importação de produtos made in USA tenderá a cair. Para tentar conter o pior, o Banco Central Europeu entrou em campo comprando títulos de países endividados e abrindo linhas de crédito a essas nações. Uma reunião de emergência entre as sete maiores economias do planeta foi acertada para coordenar as ações e tentar evitar uma crise global. Essa desconfiança mundial sobre a economia americana, também produz um movimento de manada dos investidores para se proteger de possíveis perdas por lá.

Só para se ter uma ideia, nos primeiros seis meses deste ano US$55 bilhões pousaram no Brasil. Já é mais do que os US$48 bilhões dólares recebidos em 2010. É gente que vem aproveitar os juros altos e o crescimento da economia, investindo em setores produtivos. Mas nesse bolo, também há muitos investidores fugindo dos títulos americanos. Esse fluxo de dólares aterrissando no Brasil ajuda a desvalorizar a moeda americana em relação ao real. A situação tornou-se mais preocupante depois que a agência de classificação de risco Standard & Poor"s rebaixou o rating do crédito de longo prazo da dívida americana de "AAA" para "AA+". Pela primeira vez na história foi colocada em xeque a capacidade do governo dos EUA de pagar suas dívidas. E o déficit americano é enorme e crescente. Outras agências como a Moody"s e a Fitch, embora ainda não tenham rebaixado os títulos americanos, já sinalizaram que isso pode acontecer.

Com essas incertezas em relação à segurança dos títulos americanos certamente haverá mais gente levando seus dólares para obter ganhos em outros lugares, como o Brasil. Para os empresários brasileiros, principalmente aqueles que exportam, o dólar em queda é o pior dos mundos. Além de ganhar menos com as vendas em moeda americana lá fora, eles ainda são ameaçados no mercado interno pela concorrência estrangeira. Dos 24 setores monitorados pela Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), 19 amargam perdas no primeiro semestre deste ano.

O governo anunciou medidas de estímulo a quatro setores: fabricantes de móveis, calçados e confecções ficam isentos da alíquota de 20% de contribuição patronal sobre a folha de pessoal. Para compensar, serão taxados em 1,5% sobre o faturamento. São setores que sofrem muito com a concorrência chinesa e coreana. O setor de software também se beneficiará da medida, mas pagará 2,5%. Se a arrecadação sobre o faturamento ficar abaixo do que as empresas pagam de impostos sobre a folha, o Tesouro Nacional banca a diferença. Calcula-se que essa medida deve custar R$1,3 bilhão até o fim de 2012.

O problema é que outros setores que também sofrem com o dólar podem se sentir discriminados e exigir compensações. E essas medidas, vamos ser sinceros, ajudam apenas a diminuir as perdas. Elas não reconstroem a indústria nacional.

JOSÉ MILTON DALLARI foi secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e integrante da equipe que implantou o Plano Real. É sócio da Decisão Consultores.

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