Seja homem
IVAN ÂNGELO
REVISTA VEJA SP
Não ganhei flores no Dia Nacional do Homem. O dia terminou sem que me desse conta de que ele havia sido um pouco meu, e só no fim da noite soube por um noticiário da televisão que a data fora comemorada no metrô da Sé com exames gratuitos de glicemia, medição da pressão arterial e da circunferência abdominal dos homens.
Amigos, consideremos os fatos. Se eu tivesse sabido da data, teria passado durante o dia pelas femininas pessoas com um olhar pedinte: como é, nem um sorriso solidário? Não se toca no assunto? Não mereço uma cervejinha? Teria comparado, com umas sombras de inveja: no dia delas telefono, mando e-mails, distribuo uns beijinhos de simpatia, às vezes mando flores, quando suspeito que alguma dama anda precisada. Não sabendo eu de nada, nem elas, nem eles, pude passear pelas ruas ignorante e digno como se não fosse o Dia Nacional do Homem.
Companheiros, não vamos cair na armadilha das queixas. A verdade é que a data não entrou ainda no sistema do consumo, por isso não aparece nas vitrines nem na mídia. Não vamos levar essa indiferença para o lado pessoal.
Andei perguntando, no dia seguinte, aqui e ali, se alguém sabia dessa comemoração. Ninguém sabia, nem homem, nem mulher; a homenagem, no geral, revelou-se quase secreta. Quanto à medição da circunferência abdominal, olha, melhor mesmo que fique assim, entre discreta e secreta. A fita métrica não foi feita para humilhar ninguém.
Já vão me acusar de não entender o espírito da coisa. Percebo, sim, a preocupação com a saúde, mas, me desculpem, no dia da mulher não tem fita métrica. Caros, caríssimos, atenção. Fiquei sabendo que um dos objetivos desse dia é promover a igualdade entre gêneros.
Se ainda não perceberam, algumas das antigas ditas qualidades masculinas estão em baixa no mercado: autonomia, agressividade, independência, força de vontade, racionalidade — que podem ser interpretadas como dificuldade para trabalhar em grupo, teimosia, arrogância, insensibilidade — e estão em alta a flexibilidade, a adaptabilidade, a observação, a emoção, qualidades ditas femininas. É bom haver um dia para pensarmos nisso, pensarmos em não esconder nossas emoções, como qualquer mulher, qualquer criança, qualquer gente boa.
Outro objetivo, caros e caras, é melhorar a relação entre gêneros. A velha agressividade já não tem abrigo, nem na lei nem nas famílias. O machão, o grito, a ira, a vítima sem saída, a impossibilidade de mudança, a opressão, o faço e aconteço são aberrações. É verdade que tudo isso floresce como se fosse norma geral nas telenovelas mais tardias, mas o que seria destas sem aquelas aberrações, alimentando-se mutuamente?
Na busca de informações, fiquei sabendo que existe, além do Dia Nacional do Homem, 15 de julho, um Dia Internacional do Homem, 19 de novembro, e que o Brasil é um dos 43 países que o adotam. Olhem só: eu, que achava que só havia o Dia Internacional da Mulher, de uma semana para outra fico sabendo que existem dois dias do homem. Ambos, sem nenhuma repercussão, sem vitrines gulosas do comércio, sem e-mails graciosos, sem beijinhos, mas com fita métrica. Impossível não comparar. Somos desimportantes, é isso?
Se acontecer de novo essa indiferença, recomendo com certo ar passadista: seja homem, levante a cabeça, não ligue para isso.
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