Probabilidade nula
ALON FEUERWERKE
CORREIO BRAZILIENSE - 17/07/11
Lula está procurando no canto errado do salão por algo que perdeu. Mesmo sendo o canto mais iluminado pelo holofotes, a chance de recuperar assim o que foi perdido é zeroA historinha é velha. O sujeito procura cuidadosamente algo no canto iluminado do salão escuro. O outro observa e pergunta, curioso.
- Você perdeu alguma coisa?
- Sim.
- Perdeu aí nesse canto?
- Não, naquele.
- E por que você está procurando aí? Não seria melhor procurar ali?
- Porque aqui está iluminado.
Qual é a chance de o sujeito encontrar o que procura? Zero.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ao Congresso da UNE e discursou reclamando da imprensa. Mais uma vez. Lula está no pleno direito dele. Ninguém anda acima do bem e do mal. Muito menos o jornalismo.
Se qualquer jornalista tem a prerrogativa de escrever ou falar livremente o que pensa sobre o ex-presidente, o caminho inverso é igualmente legítimo. A democracia oferece as duas mãos. Ou deveria oferecer.
Aliás, Lula e a imprensa têm pelo menos um ponto em comum. Ambos odeiam ser criticados. Ambos adorariam só receber elogios. Talvez a característica seja universal, mas na política e no jornalismo fica mais exacerbada. Aqui vaidade é poder.
Não ser criticado nunca é uma impossibilidade prática, mas atravessar a vida com o desejo limitado pelo realismo seria chato demais, convenhamos.
Lula faz questão de expressar o desconforto com a imprensa sempre quando pode. E lhe é útil, pois não se frita omelete sem quebrar os ovos, não se faz política sem definir os adversários, sem piorá-los ao ponto de poder neutralizá-los.
O ex-presidente acaba de lançar um site para falar bem de uns e mal de outros. Ele mesmo disse isso. Não corre o risco de perder dinheiro quem apostar nos jornalistas como um alvo preferencial da crítica.
A realidade, infelizmente porém, é mais complicada. Talvez o ex-presidente esteja a repetir o nonsense da historinha no alto da coluna. Se está mesmo em busca de alvos, talvez devesse procurar no outro canto do salão.
Por uma razão singela. Nos dias recentes, o que mais o governo Dilma Rousseff tem feito é reagir positivamente a revelações trazidas pela imprensa. A cada revelação, uma demissão. Ou mais de uma. É a dança sincronizada das manchetes e das cabeças cortadas.
Quem vem escrevendo o roteiro do expurgo na Esplanada dos Ministérios não são a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) ou o Ministério Público. É o trabalho dos profissionais de jornais, revistas, tevês, rádios e sites.
Eis um fato. E contra fatos os argumentos precisam ser excepcionalmente bons. Não foi o caso do discurso de Lula em Goiânia.
Em resumo, enquanto Lula fala mal da imprensa, a parceria entre o jornalismo e o governo Dilma vai servindo para a presidente ocupar espaço no governo dela.
E essa ocupação se dá - não há outra maneira - à custa da arquitetura que herdou do antecessor. Lula está procurando no canto errado do salão por algo que perdeu. Mesmo sendo o canto mais iluminado pelo holofotes, a chance de recuperar assim o que foi perdido é zero.
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