Combate com palavras
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/05/11
RIO DE JANEIRO - Aos 26 anos, em 1944, e já com nome na imprensa, o repórter Joel Silveira foi cobrir a ação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) junto aos Aliados, na Itália, durante a Segunda Guerra, para os Diários Associados. É famosa a frase de seu patrão Assis Chateaubriand ao despedir-se dele: "Não me morra, seu Joel. Repórter é para mandar notícia, não para morrer".
Foi o que Joel fez pelos oito meses seguintes: não morreu e mandou notícia. Relatou a luta e o dia a dia dos 25 mil pracinhas brasileiros e, se fosse só isto, já seria muito. Nunca o Brasil enviou tanta gente para lutar tão longe, e o material de Joel, distribuído pela agência Meridional, era consolo e informação para milhares de famílias. Mas Joel foi um correspondente completo, viajando de Nápoles a Milão, reportando combates e se arriscando. Ganhou até medalha.
Como seus colegas internacionais, Joel usava uma farda e uma patente militar honorária, de capitão. Era a praxe. Claro que, se deparasse com um alemão no mato e este sacasse a pistola, Joel não teria como reagir -suas armas eram a caneta e a máquina de escrever. Com elas produziu as 107 crônicas e reportagens originais, reunidas no livro "Histórias de Pracinha", que publicou ao voltar, em 1945, e ampliou em muitos livros no futuro.
Lido hoje, esse material espanta pela clareza e beleza, numa época em que nossa imprensa era quase ilegível. Os fãs brasileiros do escritor americano Gay Talese deveriam ler Joel Silveira. Aliás, Gay Talese também deveria ler Joel Silveira -teria muito a aprender.
Joel morreu em 2007 e sua pensão de ex-combatente, extensiva aos herdeiros, foi cancelada. A Justiça quer provas de que Joel "combateu". Mas só combate quem dá ou leva tiro? Os juízes saberão, por exemplo, que a Remington, que fabricou rifles e munição para os Aliados, é a mesma que, em 1873, desenvolveu a máquina de escrever?
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