domingo, maio 22, 2011

ELIO GASPARI - A porta giratória de Palocci foi só dele


A porta giratória de Palocci foi só dele

ELIO GASPARI
O GLOBO - 22/05/11


A comparação do desempenho do ministro com seus antecessores acerta no atacado, mas engana no varejo


O MINISTRO ANTONIO Palocci voltou a ficar radioativo. Quando estourou a encrenca da República de Ribeirão Preto, quem estava à sua volta, mesmo assessorando-o, foi carbonizado. Na terça-feira, Luiz Azevedo, subchefe de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais, expediu uma mensagem às lideranças partidárias com uma defesa do chefe da Casa Civil: "No mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a esses profissionais no mercado".
Fulanizou o raciocínio com quatro precedentes: Pedro Malan, Mailson da Nóbrega (ex-ministros da Fazenda), André Lara Resende (ex-presidente do BNDES) e Pérsio Arida (ex-presidente do BNDES e do Banco Central).
No dia seguinte, foi transferido de função. Admitir que Palocci não leu o texto, deixa mal a máquina do palácio. Repete-se o "não sabia" de Lula/José Dirceu e de Dilma Rousseff/ Erenice Guerra.
A nota universalizava a defesa da velha "porta giratória". Acertou no raciocínio genérico, mas, quando foi aos exemplos, produziu uma analogia enganadora.
Malan e Mailson chegaram ao primeiro escalão do governo com mais de 20 anos de serviço público na área econômica. Um está no conselho do Itaú, tem empregador conhecido. O outro fundou, há 15 anos, a consultoria Tendências, tem 11 sócios e dezenas de funcionários. Palocci empregou apenas uma pessoa, que não se sabe o que lá faz.
André Lara Resende foi para o BNDES depois de ter trabalhado em dois bancos (Garantia e Unibanco) e fundado um terceiro (Matrix). Veio do mercado e a ele retornou. Pérsio Arida foi o único a chegar ao governo sem experiência pública ou empresarial. Depois, tornou-se sócio do banco Opportunity e hoje está no Pactual. Todos os quatro estudaram economia. Palocci é médico.
Salvo Mailson, todos passaram pelo Departamento de Economia da PUC do Rio e estiveram na ekipekonômica tucana. Desde a fundação da Sorbonne, em 1257, nenhuma equipe de professores de uma universidade amealhou patrimônio semelhante à do punhado de mestres da Gávea.
Como diria o companheiro José Genoino, uma coisa foi uma coisa e outra coisa é outra coisa.

OS FLEX

A professora americana Janine Wedel deu um novo nome ao que se chama de "porta giratória" para designar a turma que vai do governo para o mercado. Ela diz que essa é a "Rede Flex", pois não só cada um faz seu percurso, como também operam em grupos.
No Brasil, um Flex do esplendor tucano já conseguiu US$ 10 mil por um almoço com uma diretoria de empresa.
Wedel expôs sua teoria, bastante amparada no que aprendeu com as privatarias russa e polonesa, no livro "Shadow Elite" ("A Elite da Sombra - Como novos operadores do poder corroem a democracia, o governo e o livre mercado".)
É médio, a edição eletrônica, em inglês, sai por US$ 9,99.

O BOFE
Assim como há monumentos aos soldados desconhecidos, deveria ser criado um ao "Bofe Desconhecido". Não se sabe seu nome, é um oficial da PM do Rio que reagiu assim à notícia de que soldados da corporação poderiam ir fardados à parada gay:
"Homem meu não vai".

VIVE LA FRANCE

Se Christine Lagarde for para a direção do FMI, o mundo terá duas francesas de suprema elegância na primeira fila das celebridades competindo em estilo com a dupla Kate-Pippa Middleton.
Aos 43 anos, Carla Bruni tem uma elegância deliberadamente fria. Aos 55, Mme. Lagarde é conservadoramente criativa. Suas echarpes são um barato. Sempre bronzeada, alta e magra, (foi campeã de balé aquático) e criou dois filhos. Ela pode não mudar a economia do mundo, mas será uma lição de presença feminina sem tintura nos cabelos nem bisturi na estampa.

O FILHO COBROU
O empresário Lula Freire, filho do senador Vitorino Freire (1908-1977), fechou o tempo na terça-feira num corredor do Congresso. Numa conversa ríspida e em voz alta, entregou a José Sarney uma carta em que repele as referências ao seu pai incluídas na sua biografia, escrita pela jornalista Regina Echeverria.
A carta diz assim: "A leitura do livro causou-me reações e sentimentos diversos, como decepção, surpresa, indignação e asco".
Sarney disse a Lula Freire que não leu o livro. Pode ser que não tenha lido o volume impresso, mas leu o manuscrito, porque assim está registrado pela autora à página 569.

MACAQUICE
O ministro Gilmar Mendes não gosta que se compare o sistema legal brasileiro ao americano, mas se em 2009 tivesse libertado o médico Roger Abdelmassih, acusado de ter estuprado 36 pacientes, nas condições monetárias impostas pelo juiz Michael Obus a Dominique Strauss-Kahn, a Viúva teria embolsado US$ 6 milhões ( US$ 1 milhão da fiança, em dinheiro, e US$ 5 milhões de garantia).
Strauss-Kahn é acusado de ter estuprado uma camareira negra de 32 anos. Abdemassih orgulhava-se de não usar embriões de "qualquer neguinha de rua" em sua clínica. Livre, Abdelmassih escafedeu-se. Em 2010, ele foi condenado a 278 anos de prisão.

MADAME NATASHA
Natasha defende a norma culta da "última flor do Lácio" e acredita que pronome e verbo devem andar juntos. (Quando ela não consegue, sempre encontra almas piedosas para colocá-la na boa trilha.) Ela não entende porque se considere, normal dizer o seguinte: "Peguei meu pen drive para download o clip para o tablet".

O DELÍRIO DO FILÓSOFO-CELEBRIDADE FRANCÊS
O filósofo-celebridade francês Bernard Henry-Levy, velho amigo de Dominique Strauss-Kahn, saltou em sua defesa com um artigo típico dos bem-pensantes pernósticos da França.
Ele aderiu à teoria da conspiração contra o sátiro do FMI com dois argumentos:
1) "Não sei, e gostaria de saber, rapidinho, como uma camareira pode ter entrado sozinha (no quarto), contrariando a prática habitual dos grandes hotéis de Nova York, que mandam uma "brigada de limpeza" com duas pessoas".
Falso. Não existe essa prática.
2) "Não quero entrar em considerações da psicologia barata que pretende entrar na cabeça das pessoas, observando, por exemplo, que o número do quarto (2.806) corresponde à data do início das prévias das primárias do Partido Socialista na França (28/06)".
No campo da numerologia, Henry-Levy poderia ter recorrido a coisa melhor. O episódio ocorreu em 15 de maio, dia em que, em 1817, começou a funcionar o primeiro manicômio privado dos Estados Unidos.
Os intelectuais franceses se consideram divindades. Se um sujeito diz que em 1980 o filósofo Louis Althusser estrangulou a mulher, ouve que o doutor estava maluco. Se o sujeito acrescenta que o desequilíbrio do professor foi diagnosticado em 1947, 23 anos antes de ele escrever seu festejado "Aparelhos Ideológicos do Estado", trata-se de um mal-educado, quem sabe, um provocador direitista.

Nenhum comentário: