domingo, maio 22, 2011

ALBERTO TAMER - Vamos esquecer a China?


Vamos esquecer a China?
ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo - 22-05/11

Como? Esquecer a China? Sim, mas apenas como parceiro comercial que só importa do Brasil commodities e, para nós, exporta produtos industrializados sem transferir tecnologia. O Brasil deve conquistá-la como fonte de investimentos diretos, e não apenas na área de matérias-primas. Há pouco mais de cinco anos, a China nem figurava entre os investidores nos registros do Banco Central. Agora, caminha para a liderança. Desde 2003, foram US$ 37 bilhões.

O ministro do Comércio chinês, Chen Deming, que esteve aqui com 40 representantes de 40 empresas estatais, anunciou US$ 1 bilhão só este ano. Otimista, o governo fala em US$ 8 bilhões. Há previsões de que chegue a US$ 40 bilhões em 2014. Os números estão inflacionados, mas, descontando exageros, não há duvida de que eles estão interessados no mercado brasileiro. Pode até haver surpresas agradáveis.

A questão é saber o destino desses recursos. A China investe no mundo todo em petróleo, minérios e agricultura. Precisa garantir o futuro e já armazena imensos estoques estratégicos. E o Brasil tem tudo. Querem repetir aqui o que já fazem na África há alguns anos.

O comércio. Quanto ao comércio, a China se cala. O ministro Chen disse que vai estudar as queixas contra as barreiras chinesas aos produtos industrializados do Brasil, mas não criou expectativa de mudança. Quando pressionado, respondeu com a face mais ingênua do mundo que o Brasil teve superávit de US$ 1,6 bilhão no primeiro quadrimestre do ano, sem esclarecer que foi por causa do aumento dos preços das commodities.

Diante da insistência dos ministros do Desenvolvimento e Relações Exteriores, acrescentou: "Não vamos tocar no superávit. Estamos de braços abertos para os produtos brasileiros". Ou seja, eles vão continuar importando as matérias-primas que precisam, para atender à demanda de um crescimento de 9%. Seguirão fazendo estoques estratégicos para compensar a dependência do mercado externo. E onde encontrariam parceiro tão cordato que importa até equipamentos pesados e exporta soja, petróleo e celulose?

60% mais barato. Chen Deming deixou bem claro que a China quer matéria-prima e não vai mudar a política comercial por causa do Brasil. Os parceiros de verdade da China são os Estados Unidos e a Europa, com mais de US$ 200 bilhões cada um. Os chineses podem fazer algumas concessões isoladas, mas sabem que a indústria brasileira simplesmente não pode competir.

O professor Antonio Correa de Lacerda, em artigo publicado esta semana no Estado, foi muito claro: estudos mostram que o yuan está desvalorizado em 40% sobre o dólar e o real valorizado em 20%. Ou seja: "um produto fabricado na China em dólares americanos, que é a base de comparação internacional, tem um preço cerca de 60% menor que o fabricado no Brasil". Isso apenas no câmbio, sem contar os custos menores decorrentes do desrespeito chinês às leis de patentes e propriedade intelectual, meio ambiente, salários baixos e custos trabalhistas, lembra Lacerda.

O antidumping? Para a pesquisadora do Ipea, Fernanda De Negri, a adoção de medidas antidumping é paliativa. Não funciona. "Faz 20 anos que setores industriais estão reclamando e faz 20 anos que eles não ganham competitividade. Não adianta dar salvaguarda sem cobrar ganho de competitividade", diz a pesquisadora. "Existem fronteiras tecnológicas importantes em vários setores industriais. O Brasil teria mais condições de competir com os chineses investindo nesses setores do que dando salvaguardas", afirma ela. Nunca se disse tudo em tão poucas palavras.

É a hora. E aqui entra esse novo interesse chinês - que começou só no segundo semestre de 2009 - em investir no Brasil. Onde? Só em commodities, de baixo valor agregado? O ministro Aloizio Mercadante afirmou que está preocupado com o perfil desses investimentos. Ele quer que os chineses transfiram tecnologia para que possamos no futuro produzir esses produtos acabados aqui. Assim, vamos continuar a exportar matéria-prima, mas produzindo itens de valor agregado internamente também.

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