Modelo agroexportador, bom ou ruim?
ANDRÉ MELONI NASSAR
O Estado de S.Paulo - 18/05/11
Nos últimos três artigos publicados neste espaço, mostrei que as exportações do agro brasileiro continuarão crescendo, respondendo à demanda por alimentos nos países em desenvolvimento e aos elevados preços internacionais. Argumentei, também, que o Brasil vai crescer mais do que outros exportadores, porque, a menos que políticas erradas sejam adotadas, o agro brasileiro responde mais rapidamente às elevações de preço que o de outros países. Isso ocorre porque o agro brasileiro combina três condições não encontradas nos demais: disponibilidade de terra e água, estrutura produtiva que favorece a expansão e alto nível tecnológico na produção. O modelo agroexportador brasileiro, portanto, vai ganhar força.
Mesmo que de forma indireta, os benefícios desse modelo têm sido postos em dúvida, em diferentes frentes. A primeira afirma que os custos ambientais da produção de commodities são muito elevados, já que elas são intensivas em recursos naturais e sua produção consome muita energia. Essa crítica parte da premissa de que toda indústria intensiva em recursos naturais traz danos ao ambiente, que, num modelo exportador e com especialização, são maiores do que num modelo não exportador. Assume, também, que seus produtores, sendo países emergentes, possuem regulamentações ambientais mais fracas. Considera, ainda, que os benefícios sociais do aumento da produção são discutíveis, porque envolve setores que geram pouca renda e têm baixo conteúdo tecnológico. Por fim, argumenta que os setores produtores de commodities requerem elevada intensidade energética.
Tal crítica ignora diversos fatos. O primeiro é que o "dano" ao ambiente não provém apenas do lado do uso dos insumos, mas também dos produtos finais. No quesito emissões de gases de efeito estufa, o agro é o setor que mais capta carbono da atmosfera. Em segundo lugar, ignora que o Brasil é um dos países líderes em regulamentações que se referem à responsabilidade ambiental e social do setor agropecuário.
Ao contrário do que se pensa, o agro tem um enorme efeito multiplicador de renda e gerador de empregos indiretos em regiões com setores industriais e de serviços menos diversificados, ou seja, todos os municípios que não são grandes capitais e estão espalhados pelo interior do País. Por fim, especialização e alguma concentração da produção são sinônimas de eficiência e, em épocas de preocupações com a segurança alimentar mundial e os altos preços de produtos intensivos em recursos naturais, baixa eficiência é tudo o que não se deve almejar.
A tese de elevada intensidade energética não se aplica ao agro. De todos os setores, excluindo os de serviços, o agropecuário é o de menor intensidade energética (energia consumida por valor de produto gerado). O setor de alimentos e bebidas, que não faz parte do setor agropecuário, apesar de ter elevada intensidade energética, obtém 75% da energia consumida do bagaço de cana, diferenciando-se dos demais setores industriais. Além disso, avaliando no tempo, agropecuária e alimentos são os dois setores que apresentam o maior ganho de produtividade no uso da energia.
A segunda crítica afirma que as crescentes exportações de commodities estão contribuindo para apreciar o câmbio, intensificando o processo de desindustrialização da economia brasileira. Ela se baseia na ideia da doença holandesa. A definição não dogmática de doença holandesa se refere a uma possível apreciação na taxa de câmbio devida a descobertas ou choques nos preços de commodities, baseados em recursos naturais. Fortes incrementos nos fluxos cambiais, tais como entrada de capitais estrangeiros decorrentes, entre outras razões, de elevadas taxas de juros ou condições macroeconômicas específicas, também podem levar a situações de doença holandesa. A maior consequência da apreciação da taxa de câmbio num quadro de doença holandesa seria a desindustrialização do País. No Brasil, por muito tempo se afirmou que as crescentes exportações agroindustriais - como se o agro não fosse um setor intensivo em capital e tecnologia - seriam uma das responsáveis caso a doença holandesa atingisse o nosso país.
Atualmente, diante de contínua valorização do real e de crescente participação dos produtos básicos na pauta exportadora brasileira, o tema da desindustrialização voltou à baila. Embora a discussão atual não necessariamente seja dirigida às exportações do agro - ela enfoca com maior vigor o setor de minérios e petróleo aqui, no Brasil -, os elevados preços internacionais das commodities agrícolas têm colocado o setor como alvo também.
Estudos contendo análises sobre doença holandesa e regime cambial são unânimes em dois pontos. A valorização cambial pode provocar realocação de fatores de produção, que se movem dos setores industriais, que têm produtos transacionados internacionalmente, para setores da economia baseados em produtos não comercializáveis. No entanto, a apreciação cambial decorrente da doença holandesa não provoca redução do crescimento econômico, ou seja, a realocação pode afetar negativamente alguns setores industriais, mas não implica perda para a sociedade.
Uma tentação quase irresistível dos defensores da tese da desindustrialização, que está ganhando força no Brasil, é atacar as exportações de commodities, ignorando o fato de que a doença holandesa não compromete crescimento e esquecendo que vários fatores não relacionados ao câmbio determinam a baixa competitividade de alguns setores industriais no País.
Qualquer medida que venha a inibir o modelo agroexportador brasileiro, seja ela fundamentada em argumentos ambientais, sociais, de consumo de energia, baixo conteúdo tecnológico ou de desindustrialização do País, vai comprometer o desempenho de um dos poucos setores em que o Brasil é verdadeiramente competitivo.
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