sexta-feira, abril 29, 2011

ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK - A galinha dos ovos de ouro


A galinha dos ovos de ouro
ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK
O GLOBO - 29/04/11
Em face da preocupante deterioração do quadro inflacionário, foi noticiado que o governo aproveitaria a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) para não deixar dúvidas acerca de seu real compromisso com o controle da inflação. O que se viu, no entanto, foi algo bem distinto.

Em meio à densa nuvem de adjetivos, advérbios e frases de efeito, o que se pôde entrever foi apenas a reafirmação do discurso ambíguo e inconvincente que já vinha pautando a condução da política macroeconômica.

A presidente Dilma Rousseff declarou que "o governo está, diuturnamente, e até noturnamente, atento a todas as pressões inflacionárias, venham de onde vierem".

Mas reiterou o diagnóstico de que a aceleração da inflação de corre da elevação de preços de commodities, pouco tendo que ver com a expansão desmesurada da demanda interna.

E insistiu que o governo prefere aguardar os efeitos das medidas de combate à inflação já tomadas, sem sacrificar prematuramente o desenvolvimento econômico e social. O ministro da Fazenda bateu nas mesmas teclas. Afirmou que "o Brasil não está mal na foto da inflação mundial" e que é preciso "moderar o crescimento da demanda sem matar a galinha de ovos de ouro".

A galinha de ovos de ouro vem tendo, de fato, um desempenho espetacular. E é perfeitamente compreensível que o governo esteja alarmado com a possibilidade de que isso venha a ser afetado.

No 1o trimestre de 2011 a arrecadação administrada pela Receita Federal mostrou uma taxa de crescimento nominal, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior,de nada menos que 19,55%.Deflacionado pelo IPCA, isso equivale a uma expansão real de 12,7%,o que corresponde a pelo menos o triplo da taxa de crescimento do PIB prevista para este ano.

Tal fartura fiscal não chega a ser surpreendente. Advém da combinação do forte aquecimento da economia com o aumento de eficácia da máquina arrecadadora, na esteira da ampla disseminação da nota fiscal eletrônica.É com essa fartura que o governo conta para cumprira meta fiscal de 2011 e ainda manter expansão substancial do dispêndio tradicional,em paralelo à que já vem sendo feita por meio das transferências do Tesouro ao BNDES,não contabilizadas no resultado primário.Tendo em conta esses dois canais de expansão fiscal,é fácil entender por que o ministro da Fazenda apresentou ao CDES uma previsão de crescimento real do investimento agregado de 10,4% em 2011.

O problema é que, como era de esperar, tal sobrecarga tributária, combinada com a apreciação cambial, vem acirrando as dificuldades por que vêm passando empresas de vários setores. Para fazer face à insatisfação que se acumula, o governo passou a acenar com a perspectiva de uma reforma tributária "realista", com agenda fatiada. Uma das fatias envolveria medidas de desoneração da folha de pagamento. Mas, apesar do excelente desempenho da arrecadação, o governo já deixou claro que não está disposto a abrir mão de receita tributária. Ou seja, algo mais terá de ser onerado para que a folha seja desonerada.

Na discussão sobre como exatamente fazer tal redistribuição de carga tributária, têm surgido propostas impensadas de todo tipo.A Confederação Nacional dos Serviços, com base em estudo supostamente preparado pela Fundação Getúlio Vargas, defende a criação de uma nova CPMF. Já a Fiesp é o que se noticia prefere que a conta seja repassada à Cofins.E,no governo,a ventas e a possibilidade da criação de um novo imposto sobre faturamento, cobrado em cascata.

O mínimo que se pode dizer é que o foco da discussão está mal colocado. O que se faz necessário é uma diminuição dos encargos sobre a folha de pagamento que implique efetiva redução da carga tributária agregada,seja por que o governo se dispôs a abrir mão de parte do aumento de receita que vem auferindo, seja porque, afinal, decidiu conter a expansão de gastos na Previdência. Não faz sentido desfigurar mais ainda o sistema tributário para tentar desonerar a folha de pagamento.

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