Palavras e ausências
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 29/04/11
Com palavras que entram e saem das atas do Copom, os analistas do mercado financeiro, das empresas, das consultorias vão entendendo os sinais do Banco Central. Na ata divulgada ontem, o Banco Central escreveu a palavra "principalmente" antes da expressão "ações convencionais de política monetária." Foi entendido que os juros podem subir mais.É preciso ler também as ausências. Na última ata, depois da horrenda palavra "macroprudencial" - que quer dizer controle de crédito - estava escrita a definição "um instrumento rápido e potente para conter a demanda." Desta vez, a definição não estava mais lá. Juntando o fato de que o BC vai principalmente usar as ações convencionais e não está repetindo que o macroprudencial é "rápido e potente", analistas como o professor Luiz Roberto Cunha, o economista Luis Otávio Leal e economistas de diversos bancos concluíram que a instituição acredita mais em juros do que em medidas como IOF sobre crédito para controlar a inflação.
Pode-se imaginar que tudo isso é um jogo de apostas, em que palavras servem para se tentar adivinhações. Na verdade, esse ritual de comunicação entre o Banco Central e as instituições que compram - com o nosso dinheiro - títulos da dívida pública remunerados pela taxa Selic é uma forma de dar transparência e previsibilidade às ações do BC. Através disso ele vai se comunicando e influenciando as expectativas. Quanto mais transparente e coerente for, mais influente será.
Por isso, existe a ata, uma semana depois de cada reunião do Copom, e Relatório de Inflação, de três em três meses. Cada palavrinha presente ou ausente serve para indicar aos iniciados que movimentos o BC pode fazer. Neste momento, a autoridade monetária está diante de enormes desafios: conseguirá convencer que tem mesmo autonomia para combater a inflação? Está o Banco Central sabendo avaliar todos os riscos presentes na economia brasileira e mundial? Há controvérsias. Até dentro do banco, porque dois dos diretores votaram por um aumento de 0,5 ponto percentual, e não 0,25 p.p., como foi aprovado. Esses diretores acham que era preciso "mitigar riscos de que pressões inflacionárias recentes se transmitam ao cenário prospectivo." Em uma palavra, eles temem a "indexação".
Quanto maior a inflação, quanto mais confusas as análises e expectativas, mais cada pessoa ou empresa tenta garantir nos seus preços e contratos que não vai perder renda. Os aluguéis, por exemplo, são corrigidos pelo IGP-M. Os IGPs são índices nervosos: caem drasticamente, às vezes; disparam, em outros momentos. Por isso, o dono do imóvel se garante e registra no contrato que é o IGP-M ou o IPCA, "o que for mais alto." Assim, no ano de 2009, os IGPs ficaram abaixo de zero, mas ninguém reduziu o aluguel. No ano passado, ele passou de 10%. Ou seja, o inquilino sofre sempre. Quando a demanda está aquecida, como agora, o proprietário cresce para cima do inquilino. Imagine que o locatário é um cabeleireiro que possa impor aumento no seu preço. Ele tenderá a subir na mesma proporção dessa elevação de custos. Os resquícios da cultura inflacionária numa economia aquecida, com o governo dando sinais de que está convencido de que a inflação é tolerável porque está subindo em todos os países do mundo, são ingredientes para uma grande confusão. Essas mudanças bruscas dos IGPs têm uma explicação: eles são índices formados por preços ao consumidor, custos da construção civil e matérias-primas. Quando dispara o preço do minério de ferro, pode ser bom para a balança comercial e para a Vale, mas afeta esse índice de inflação. O mesmo com o petróleo e alimentos in natura. E por aí vai. O risco é de transmissão da inflação de um ano para o outro.
Algumas tarifas de serviços públicos, como a energia elétrica, também são corrigidas ou afetadas por este índice, que subiu muito no ano passado. Onde há competição de produto importado isso não acontece porque o dólar está caindo e neutralizando parte do aumento. Na área de serviços, o impacto é maior. Por isso a inflação de serviços ultrapassou 8%.
Na ata de ontem, o Banco Central disse que "a demanda se apresenta robusta", ou seja, está todo mundo comprando muito. Em parte pelo crédito, em parte pelo aumento da renda. Para o BC, o governo cortou gastos, mas os estímulos dados na época da crise ainda estão acelerando a economia. A verdade é um pouco mais complexa. O governo cortou gastos de um lado e aumentou de outro, fez superávit primário aumentando arrecadação e não cortando despesas, e demorou demais a retirar os incentivos fiscais ao consumo porque 2010 era ano eleitoral. Mas isso certamente não estaria numa ata do Copom. De vez em quando, com sua linguagem de contorcionista, o Banco Central avisa delicadamente que o governo tem que cortar gastos. Mas isso produz resmungos no Ministério da Fazenda e esta administração ainda não ficou "robusta" - usemos a palavra que os economistas gostam tanto - o suficiente para uma ousadia dessas. E o BC ainda não é autônomo no Brasil; tem autonomia quando o governo a concede.
Outro recado dado pelo BC no palavrório de ontem foi que a temporada de alta de juros vai ser "suficientemente prolongada" para conter a inflação. Disse no parágrafo 30 e repetiu no 32. Tudo lido e traduzido fica ainda insuficiente para se saber como o BC pretende reverter o jogo que ainda está embolado no meio-de-campo.
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