Ele sempre foi um realista sobre o qual o idealismo foi atirado
ROGER COHEN
The International Herald Tribune
O ESTADO DE SÃO PAULO - 02/04/11
Perto de Cartago, na Tunísia, existe um cemitério americano onde repousam 2.841 militares mortos, vítimas da campanha norte-africana na 2.ª Guerra. Entre eles está um jovem de Stillwater, Minnesota, chamado Robert Lund. Ele tinha 25 anos quando foi morto em 29 de março de 1943. Há muito tempo, eu me sentei numa varanda da linda cidadezinha de Stillwater e procurei visualizar o vendaval que conseguira tirar um jovem do meio de um plácido continente para morrer em uma terra distante.
Os EUA são um país inquieto. Eles se construíram recebendo os povos do mundo e por isso não podem virar as costas para o mundo. Décadas depois que ele foi morto, a morte de Lund ainda assombrava a família de minha primeira mulher. Com a volta dos retumbantes cabeçalhos da "Guerra do Deserto" contra Hitler - Tobruk, Benghazi, Trípoli - e o retorno de forças americanas à Líbia, estive pensando em Lund e no poder americano.
As limitações desse poder desafiaram o presidente Barack Obama. Ele sempre foi um realista sobre o qual o idealismo era atirado. Ele adere, por experiência, ao meio termo. Ao assumir o governo num país exaurido pela guerra, ele encontrou vários argumentos para fortalecer sua inclinação para encerrar conflitos.
O excepcionalismo americano - a noção dos EUA como um farol moral transformador para o mundo - o deixou pouco à vontade. O atlantismo, fruto da guerra que tirou a vida de Lund, causou pouco efeito emocional num homem que ainda não tinha 30 anos quando a Guerra Fria terminou. Os empregos desaparecendo no front doméstico eram seu domínio.
Mas esse presidente cauteloso, que vem sutilmente tentando reduzir o alarde do poder americano - com razão -, envolveu o país em um novo conflito na Líbia, no qual seu próprio secretário de Defesa sustenta que os EUA não têm nenhum "interesse vital". Ele se somou a uma longa linhagem de líderes americanos na descoberta do imperativo moral inseparável da ideia americana.
Havia muitas boas razões para ficar fora da Líbia. Uma força motriz da primavera árabe é o fato de ela ser nativa. Obama não precisa de nenhuma instrução sobre colonialismo. Mas será que ele, o primeiro presidente afro-americano do país, poderia ficar passivo enquanto as forças de Muamar Kadafi realizavam um massacre em Benghazi? Talvez não tivesse havido um massacre, apenas mais um modesto banho de sangue. Kadafi não é Hitler, nem sequer Saddam Hussein. Mas sua natureza é homicida e por isso eu digo que Obama fez bem em traçar uma linha divisória na areia líbia.
Eu era contrário a uma zona de exclusão aérea líbia, depois de ter visto sua inutilidade na Bósnia. Acho que Obama encontrou, com bombas, seu padrão inicial; e o fez com um forte mandato da ONU refletindo sua diplomacia de reparo dos últimos anos.
Mas e agora? A velocidade na deposição de Kadafi, o objetivo do qual os líderes ocidentais não podem recuar, é fundamental. Todos sabemos o que ocorrerá se essa guerra Mad Max supurar: a coalizão se fragmenta, jihadistas se infiltram num Estado falido com fronteiras porosas, a missão começa a se arrastar.
Kadafi pode seguir três caminhos: uma derrota militar, o menos provável dado o caótico engarrafamento de rebeldes nas estradas costeiras; uma saída negociada, aposta arriscada apesar dos esforços da Turquia; ou uma deserção de seu círculo interno, a avenida mais promissora.
O chanceler Moussa Koussa fugiu para Londres. Ele é o maior prêmio até agora de um intenso esforço britânico e americano para atrair assessores de primeiro time. O tom da entourage de Kadafi continua mudando: primeiro o pânico, depois tiradas explosivas, agora queixoso. Isso é animador. Esse regime exala insegurança. As conversações com a Líbia nos últimos anos implicam que autoridades ocidentais de peso têm relações com as pessoas centrais que precisam, como Koussa, mudar de lado. Abdullah Al-Sanousi é um alvo importante.
Obama, após adotar em último recurso a ideia radical de que "os EUA são diferentes", após criticar países que "capazes de fechar os olhos para atrocidades em outros países" (as potências ascendentes - Brasil, Rússia, Índia, China - que se abstiveram na votação sobre a Líbia), agora precisa apresentar sua interpretação burilada do excepcionalismo americano.
Nas circunstâncias, seu vice-conselheiro de Segurança Nacional, Denis McDonough, é também de Stillwater. É uma coincidência, mas há um vínculo: os EUA são mais fortes quando alinham seus valores e interesses e não são eles mesmos quando viram as costas para o significado do sacrifício de Lund. Os americanos compreendem isso. É por isso que o imperativo moral não é inseparável apenas da ideia americana, é inseparável da reeleição. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
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