Calote é a saída para Portugal
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/03/11
Ele não é uma questão ideológica, como não foi na Argentina, mas sim uma necessidade político-social
NÃO É a eleição antecipada, agora marcada para 5 de junho, que vai resolver a crise portuguesa. Vai apenas adiar a verdadeira -e dolorosa- solução, que é o calote ao menos parcial na sua dívida.
Não é uma questão ideológica, como não foi na Argentina, dez anos atrás. É uma questão de falta de qualquer outra alternativa.
Por partes:
1: Por que a eleição não resolve? Porque o lógico é que ganhe um dos dois partidos habitualmente majoritários de Portugal, o Socialista ou o Social Democrata, que, apesar do nome, é de direita. Ambos se comprometeram com os pacotes de austeridade já aprovados.
Foram três, mas eles não bastaram para que o mercado, esse ente sem rosto mas todo-poderoso, ficasse satisfeito.
Tanto não ficou que, ontem, exigiu juros de 5,793%, na média, para aceitar papéis portugueses no valor de 1,654 bilhão, quase o dobro dos 3,1% cobrados em julho passado, antes, portanto, dos pacotes de austeridade.
O quarto pacote foi justamente o que derrubou o governo do socialista José Sócrates, porque, desta vez, o oposicionista PSD não aceitou votar com o governo.
Deve ter pesado nessa decisão a marcha de umas 300 mil pessoas pelo centro de Lisboa, no dia 12, convocada pelo movimento "geração à rasca" (em apuros).
O protesto era -e continua vivo nas redes sociais- pela precariedade laboral que afeta um em cada cinco portugueses e pelo desemprego, que machuca 11,2% da força de trabalho do país.
2: Ora, se já há uma geração à rasca, qualquer pacote de austeridade só pode acrescentar apuros. O quarto -e rejeitado- propunha, por exemplo, o congelamento das aposentadorias que estivessem acima de certo valor.
Logo, o lógico é supor que a eleição terminará com um índice formidável de abstenção (na eleição presidencial de janeiro, já foi de impressionantes 54%) ou com algum tipo de voto de protesto.
De uma forma ou de outra, o novo governo português carecerá de força política para impor outro pacote de austeridade.
3: Sem ele, a opinião virtualmente consensual na Europa é a de que Portugal terá que recorrer à ajuda conjunta da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, que, por sua vez, imporão ajustes ainda mais draconianos.
O problema é que a ajuda não tira da "rasca" os países que a ela recorrem. É só ler o que escreve para o "Financial Times" Desmond Lachman, pesquisador do American Enterprise Institute, sobre Grécia e Irlanda, os dois países já socorridos:
"Desde que embarcou no seu programa de austeridade fiscal, aproximadamente dois anos atrás, a economia irlandesa se contraiu mais de 11%. Entre os últimos trimestres de 2009 e 2010, a economia da Grécia declinou 6,5% e, ao fim do ano [passado], as vendas no varejo estavam 20% abaixo das de um ano antes."
Tentar extrair mais sangue ainda também dos portugueses é uma inviabilidade política. Os bancos credores, com os juros que estão cobrando, já se forraram o suficiente para aguentar um calote ou, na linguagem contemporânea menos agressiva, um "hair cut".
Melhor cortar o cabelo de quem tem de sobra do que a carne de uma sociedade já exaurida.
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