Distorções eleitorais
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 10/03/11
Nada é mais exemplar da pequena esperteza política que prevalece no Congresso, e também das distorções de nosso sistema eleitoral, do que a insistência da presidência da Câmara de não acatar a decisão doSupremo Tribunal Federal (STF) de que os suplentes que eventualmente assumam mandato devem ser os dos partidos, e não os das coligações que disputaram a eleição.
Esse entendimento, que quebrou um hábito de décadas do Congresso, é consequência de uma decisão recente do STF que definiu que a fidelidade partidária é condição para o exercício de mandato eleitoral, e, portanto, a vaga que um eleito ocupa não é um direito pessoal, e pertence à legenda pela qual disputou a eleição.
Em dezembro passado, em decisão colegiada sobre um pedido do PMDB, o Supremo reafirmou esse entendimento e decidiu que os efeitos eleitorais das coligações se encerram após a apuração dos votos, ou seja, que as coligações servem para eleger, não para a substituição dos eleitos.
O artigo 112 do Código Eleitoral se refere exclusivamente aos “suplentes da representação partidária”, e não faz qualquer referência aos suplentes das coligações — algo que, a rigor, não existe expressamente no contexto legal do Direito eleitoral, lembra Lauro Barretto, advogado autor de mais de uma dezena de livros sobre Direito eleitoral e Direito partidário. De acordo com levantamento do site “Congresso em foco”, quase metade dos suplentes (22 dos 46 novos parlamentares) que já assumiram mandato na Câmara dos Deputados correm o risco de perder o cargo devido à decisão do Supremo Tribunal Federal. As mudanças atingiriam as bancadas de 12 estados e do Distrito Federal. A discussão persiste porque na primeira decisão apenas oito dos onze ministros votaram.
Com a posse de Luiz Fux, existe a possibilidade teórica de a determinação mudar, pois além dos ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa, que não votaram, outros podem mudar de voto. Nada indica, porém, que isso ocorra, pois até agora todas as decisões sobre mandados de segurança para assegurar a posse de suplentes mantiveram a decisão anterior do STF.
O presidente da Câmara, deputado Marco Maia, tem dado declarações sobre o perigo de ficarem 29 cadeiras vagas se a decisão do Supremo for aplicada, e outros “especialistas” falam sobre a necessidade de serem convocadas “eleições para suplentes”, no caso de um partido não ter ninguém para ser convocado como suplente devido aos resultados eleitorais. São argumentos que indicam uma tentativa de tumultuar o ambiente político, pois não é possível imaginar que a presidência da Câmara não tenha assessoria para orientá-la sobre a legislação eleitoral.
O advogado Paulo Barretto dá um exemplo objetivo que aconteceu nas eleições de 2002, quando Enéas, do Prona, foi eleito deputado federal por São Paulo, com mais de 1,5 milhão de votos, votação que daria para eleger mais seis deputados federais do mesmo partido ou coligação pelas “sobras de legendas”.
Como o Prona, que naquele pleito não estava coligado com outro partido, só havia registrado mais cinco candidatos, a outra vaga de deputado federal foi preenchida pela norma definida na legislação eleitoral. Foi feita uma retotalização da distribuição dos votos de cada partido/coligação, e a cadeira não preenchida ficou para o partido/coligação com direito à próxima vaga decorrente de “sobra”. É o próprio Código Eleitoral, em seu artigo 109, que prevê a distribuição das vagas não preenchidas mediante esta contagem das “sobras de legenda”, lembra Barretto.
Como se vê, não há possibilidade de ficarem “cadeiras vazias” na Câmara dos Deputados por falta de suplentes do mesmo partido, nem necessidade de “eleição de suplente”. Essa confusão sobre os suplentes é um efeito colateral de uma distorção fundamental de nosso sistema eleitoral, que são as coligações em pleito proporcional. Coligações feitas apenas para preencher o chamado “quociente eleitoral”, que é o número mínimo de votos para se eleger um deputado ou vereador, quase sempre prescindindo de maiores proximidades ideológicas ou programáticas.
Esse fenômeno faz com que nas eleições de 2010 apenas 86 deputados federais tenham sido eleitos por partidos não coligados. Para combater o que acusam de ser mais um sintoma da “judicialização” da política, os políticos, através do deputado Ronaldo Caiado, providenciaram a apresentação de uma proposta de emenda constitucional para legalizar o direito de os suplentes das coligações assumirem as vagas em aberto nas casas legislativas.
Essa PEC, no entanto, mesmo que venha a ser aprovada, só terá efeito para os suplentes das coligações nas próximas eleições. Ela, ao mesmo tempo, é um reconhecimento de que falta um apoio na legislação para a prática de nomear suplentes de coligações, que só vinha sendo aceita porque o Supremo não havia sido consultado a respeito.
Agora que os partidos passaram a ser legalmente os detentores das vagas, e a mudança de partido está sujeita a normas de fidelidade partidária mais rigorosas, a questão veio à tona. Ela poderia ter uma solução simples com a revogação das coligações nas eleições proporcionais, mas este é um dos pontos de uma eventual reforma política que dificilmente será encarado pelos partidos políticos. A não ser que se aprove o voto distrital puro ou o “distritão”, que acabam com o voto proporcional.
Esse entendimento, que quebrou um hábito de décadas do Congresso, é consequência de uma decisão recente do STF que definiu que a fidelidade partidária é condição para o exercício de mandato eleitoral, e, portanto, a vaga que um eleito ocupa não é um direito pessoal, e pertence à legenda pela qual disputou a eleição.
Em dezembro passado, em decisão colegiada sobre um pedido do PMDB, o Supremo reafirmou esse entendimento e decidiu que os efeitos eleitorais das coligações se encerram após a apuração dos votos, ou seja, que as coligações servem para eleger, não para a substituição dos eleitos.
O artigo 112 do Código Eleitoral se refere exclusivamente aos “suplentes da representação partidária”, e não faz qualquer referência aos suplentes das coligações — algo que, a rigor, não existe expressamente no contexto legal do Direito eleitoral, lembra Lauro Barretto, advogado autor de mais de uma dezena de livros sobre Direito eleitoral e Direito partidário. De acordo com levantamento do site “Congresso em foco”, quase metade dos suplentes (22 dos 46 novos parlamentares) que já assumiram mandato na Câmara dos Deputados correm o risco de perder o cargo devido à decisão do Supremo Tribunal Federal. As mudanças atingiriam as bancadas de 12 estados e do Distrito Federal. A discussão persiste porque na primeira decisão apenas oito dos onze ministros votaram.
Com a posse de Luiz Fux, existe a possibilidade teórica de a determinação mudar, pois além dos ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa, que não votaram, outros podem mudar de voto. Nada indica, porém, que isso ocorra, pois até agora todas as decisões sobre mandados de segurança para assegurar a posse de suplentes mantiveram a decisão anterior do STF.
O presidente da Câmara, deputado Marco Maia, tem dado declarações sobre o perigo de ficarem 29 cadeiras vagas se a decisão do Supremo for aplicada, e outros “especialistas” falam sobre a necessidade de serem convocadas “eleições para suplentes”, no caso de um partido não ter ninguém para ser convocado como suplente devido aos resultados eleitorais. São argumentos que indicam uma tentativa de tumultuar o ambiente político, pois não é possível imaginar que a presidência da Câmara não tenha assessoria para orientá-la sobre a legislação eleitoral.
O advogado Paulo Barretto dá um exemplo objetivo que aconteceu nas eleições de 2002, quando Enéas, do Prona, foi eleito deputado federal por São Paulo, com mais de 1,5 milhão de votos, votação que daria para eleger mais seis deputados federais do mesmo partido ou coligação pelas “sobras de legendas”.
Como o Prona, que naquele pleito não estava coligado com outro partido, só havia registrado mais cinco candidatos, a outra vaga de deputado federal foi preenchida pela norma definida na legislação eleitoral. Foi feita uma retotalização da distribuição dos votos de cada partido/coligação, e a cadeira não preenchida ficou para o partido/coligação com direito à próxima vaga decorrente de “sobra”. É o próprio Código Eleitoral, em seu artigo 109, que prevê a distribuição das vagas não preenchidas mediante esta contagem das “sobras de legenda”, lembra Barretto.
Como se vê, não há possibilidade de ficarem “cadeiras vazias” na Câmara dos Deputados por falta de suplentes do mesmo partido, nem necessidade de “eleição de suplente”. Essa confusão sobre os suplentes é um efeito colateral de uma distorção fundamental de nosso sistema eleitoral, que são as coligações em pleito proporcional. Coligações feitas apenas para preencher o chamado “quociente eleitoral”, que é o número mínimo de votos para se eleger um deputado ou vereador, quase sempre prescindindo de maiores proximidades ideológicas ou programáticas.
Esse fenômeno faz com que nas eleições de 2010 apenas 86 deputados federais tenham sido eleitos por partidos não coligados. Para combater o que acusam de ser mais um sintoma da “judicialização” da política, os políticos, através do deputado Ronaldo Caiado, providenciaram a apresentação de uma proposta de emenda constitucional para legalizar o direito de os suplentes das coligações assumirem as vagas em aberto nas casas legislativas.
Essa PEC, no entanto, mesmo que venha a ser aprovada, só terá efeito para os suplentes das coligações nas próximas eleições. Ela, ao mesmo tempo, é um reconhecimento de que falta um apoio na legislação para a prática de nomear suplentes de coligações, que só vinha sendo aceita porque o Supremo não havia sido consultado a respeito.
Agora que os partidos passaram a ser legalmente os detentores das vagas, e a mudança de partido está sujeita a normas de fidelidade partidária mais rigorosas, a questão veio à tona. Ela poderia ter uma solução simples com a revogação das coligações nas eleições proporcionais, mas este é um dos pontos de uma eventual reforma política que dificilmente será encarado pelos partidos políticos. A não ser que se aprove o voto distrital puro ou o “distritão”, que acabam com o voto proporcional.
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