União estável
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/03/11
Muito já se falou a respeito das diferenças de forma e conteúdo entre a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor. Muito mais será dito ainda porque Lula e seus seguidores mais fanáticos já dão sinais explícitos de desconforto com as comparações, de resto inevitáveis tendo em vista as óbvias distinções entre um e outra.
Em menos de três meses a lista é robusta: atenção aos direitos humanos na política externa, rigor na resolução de desavenças internas, presença presidencial em caso de tragédias nacionais, reserva no comportamento pessoal, pronunciamentos limitados a ocasiões específicas, relações civilizadas com imprensa e adversários e convivência ao menos cerimoniosa com o fisiologismo.
Portanto, nada mais natural que se aponte e, conforme for o caso e o gosto do freguês, celebre-se o que há de diferente. Não há, objetivamente, nenhuma razão para a contrariedade exibida por Lula recentemente, considerando "hilariantes" as referências positivas à presidente no cotejo com condutas anteriores.
Francamente, o ex-presidente deveria sentir-se bem com a boa receptividade à sua sucessora e criatura eleitoral. Significa que, a despeito da má impressão deixada por ela durante o período em que foi ministra e seu desempenho abaixo da crítica como candidata, ele estava certo no tocante à capacidade da escolhida de sair-se bem na Presidência.
Ou não era isso que Lula esperava? Ao exibir-se desconfortável com os elogios, dá margem à interpretação de que talvez preferisse que a imprensa estivesse hoje plena de registros saudosistas em relação ao governo anterior, quem sabe até lamentos sobre a impossibilidade de haver um terceiro mandato.
Podendo, assim, alimentar a fantasia de que todas as críticas a ele dirigidas eram fruto de uma conspiração "das elites" contrariadas com um "governo do povo". Como se vê, os juízos negativos guardavam relação apenas e tão somente com palavras, gestos e atitudes inadequadas, quando não negativamente exorbitantes, do então presidente.
O problema, agora fica patente, era a ausência de limites e a carência de noção de Lula a respeito do significado do cargo e da conduta exigida a um chefe de nação. Dilma não faz nada de excepcional, apenas se comporta normalmente. Mas, na comparação, soa como um bálsamo.
Ao mostrar-se ressentido Lula não inova nem surpreende: apenas acentua marca de personalidade e mais uma vez perde excelente oportunidade de mostrar educação política e serenidade de espírito.
Inclusive porque ninguém com um mínimo de informação, sensatez e discernimento, aposta - nem remotamente - em ruptura entre ele e a presidente Dilma. Estão juntos, os dois e mais a nação petista, no mesmo projeto de poder.
Poder este disputado em eleições para o sucesso das quais a atuação de Lula é fundamental.
Romper não rompe. Resta aguardar para observar se Dilma também vai se diferenciar no que concerne ao uso da máquina ou se exorbitará, seguindo os passos do antecessor. Será o teste fatal.
Comando único. Não é visível, ainda, a olho nu, mas a presidente Dilma Rousseff determinou o fim da duplicidade de comando na condução da política externa ao molde do que vigorou no governo anterior: o chanceler de um lado, Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, do outro.
De raiz. Chamar negros de morenos é, guardadas as proporções, como chamar gordos de fortes.
Revela preconceito tão arraigado e enrustido que não ousa dizer os nomes que as coisas têm.
Rápido e rasteiro. A propósito da reforma política tal como está sendo conduzida pela comissão especial do Senado, ocorreu a Jaime Lechinski frase de Giordano Bruno momentos antes de ser queimado pela Inquisição: "Que ingenuidade a nossa pedir aos donos do poder a reforma do poder."
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