Não faltam médico
JORGE DARZE
O Globo - 23/02/2011
O último trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lançado no último dia 9/2/2011, é uma importante pesquisa que auxilia no debate sobre a crise do SUS e da saúde complementar e da repercussão no atendimento da população.
Já há muito tempo temos denunciado essa crise e a precariedade de atendimento da nossa população. Como a pesquisa não aborda a posição de cada estado separadamente, e o presente trabalho tem como objetivo fazer uma avaliação nacional, com certeza será necessário um estudo mais detalhado em nosso estado, até porque aqui ainda está vigindo o decreto presidencial de 2005 que reconhece a calamidade pública no setor, embora paradoxalmente tenhamos a maior rede pública de saúde do Brasil.
Este trabalho explica também por que esse tema tem sido uma das principais preocupações da população, principalmente nos momentos eleitorais, quando os governos são renovados. O que salta aos olhos é que as respostas às principais perguntas desta pesquisa explicitam de maneira muito clara a enorme responsabilidade que as três esferas de governo têm sobre os seus resultados.
A falta de médicos nas unidades e o longo tempo de espera para os pacientes marcarem e realizarem consultas são os principais problemas apontados pelos entrevistados. São diversos os exemplos confirmando essas preocupações e inclusive noticiados pela grande imprensa. A ameaça de interrupção dos transplantes de fígado no Hospital Geral de Bonsucesso por falta de anestesista, o desfalque de especialistas em quase todas as emergências existentes, as longas filas nas portas das UPAs e hospitais, a superlotação das unidades e a grande evasão dos profissionais aprovados nos últimos concursos, devido aos baixos salários, estão entre os exemplos de um filme que se repete diariamente, retratando o sofrimento da nossa população. Vale lembrar que a elevação da taxa de mortalidade em algumas unidades é uma perversa consequência do estado em que se encontra o sistema de saúde pública. Vale destacar que quem consegue atendimento tem uma visão positiva do setor, embora a pesquisa não tenha avaliado a resolutividade do atendimento. Provavelmente, se a avaliação de resultado tivesse sido incluída na aferição, o percentual demonstrando positividade teria sido menor. A opção feita por vários governos há anos, de privatizar a gestão das unidades e contratar mão de obra terceirizada, com salários bem superiores aos dos servidores públicos concursados, não interferiu no resultado final da pesquisa, na qual a falta de médicos e a demora no atendimento foram as principais preocupações.
Podemos concluir que a tese defendida pelos seguidores da privatização do sistema, que é buscar modelos mais "eficientes" de gestão, desqualificando o público, não encontra eco neste trabalho no que diz respeito ao atendimento. A proliferação indiscriminada de escolas médicas, que coloca anualmente milhares de médicos no mercado de trabalho, inclusive extrapolando a recomendação da Organização Mundial de Saúde, que estabelece um médico para atender cada mil habitantes, não explica a escassez de profissionais no sistema. Vale informar que a média nacional em 2009 era de um médico para cada 570 habitantes, chegando, a 239 em algumas cidades, o que demonstra a distribuição irregular. Outro destaque é que, enquanto na última década o número de médicos cresceu 27%, a população cresceu 12%. Mas não é por falta de médicos que a rede atende mal.
No capítulo referente às especializações, enfrentamos a ausência de incentivo na ampliação do número de vagas dos chamados Programas de Residência Médica, projeto financiado majoritariamente com dinheiro público e regulamentado por lei.
Este projeto não tem sido tratado com a devida importância pelas nossas autoridades, pois, além da baixa remuneração para 60 horas semanais de aprendizado, a crise do sistema interfere no treinamento dos profissionais. Além disso, na maioria das vezes, seus instrutores acumulam a função assistencial sem ganhar nenhum centavo a mais por essa função.
Na verdade, o que falta é uma política de recursos humanos que fixe o médico à rede. Estamos falando de salários e carreira, pois somente desta forma poderemos voltar a incentivar esses médicos, principalmente os mais jovens, a buscar no SUS a opção de vida e do exercício profissional. O mesmo se aplica ao sistema complementar. A fixação desses profissionais depende, conjuntamente, de três fatores: salários, carreira e condições de trabalho.
Já há muito tempo temos denunciado essa crise e a precariedade de atendimento da nossa população. Como a pesquisa não aborda a posição de cada estado separadamente, e o presente trabalho tem como objetivo fazer uma avaliação nacional, com certeza será necessário um estudo mais detalhado em nosso estado, até porque aqui ainda está vigindo o decreto presidencial de 2005 que reconhece a calamidade pública no setor, embora paradoxalmente tenhamos a maior rede pública de saúde do Brasil.
Este trabalho explica também por que esse tema tem sido uma das principais preocupações da população, principalmente nos momentos eleitorais, quando os governos são renovados. O que salta aos olhos é que as respostas às principais perguntas desta pesquisa explicitam de maneira muito clara a enorme responsabilidade que as três esferas de governo têm sobre os seus resultados.
A falta de médicos nas unidades e o longo tempo de espera para os pacientes marcarem e realizarem consultas são os principais problemas apontados pelos entrevistados. São diversos os exemplos confirmando essas preocupações e inclusive noticiados pela grande imprensa. A ameaça de interrupção dos transplantes de fígado no Hospital Geral de Bonsucesso por falta de anestesista, o desfalque de especialistas em quase todas as emergências existentes, as longas filas nas portas das UPAs e hospitais, a superlotação das unidades e a grande evasão dos profissionais aprovados nos últimos concursos, devido aos baixos salários, estão entre os exemplos de um filme que se repete diariamente, retratando o sofrimento da nossa população. Vale lembrar que a elevação da taxa de mortalidade em algumas unidades é uma perversa consequência do estado em que se encontra o sistema de saúde pública. Vale destacar que quem consegue atendimento tem uma visão positiva do setor, embora a pesquisa não tenha avaliado a resolutividade do atendimento. Provavelmente, se a avaliação de resultado tivesse sido incluída na aferição, o percentual demonstrando positividade teria sido menor. A opção feita por vários governos há anos, de privatizar a gestão das unidades e contratar mão de obra terceirizada, com salários bem superiores aos dos servidores públicos concursados, não interferiu no resultado final da pesquisa, na qual a falta de médicos e a demora no atendimento foram as principais preocupações.
Podemos concluir que a tese defendida pelos seguidores da privatização do sistema, que é buscar modelos mais "eficientes" de gestão, desqualificando o público, não encontra eco neste trabalho no que diz respeito ao atendimento. A proliferação indiscriminada de escolas médicas, que coloca anualmente milhares de médicos no mercado de trabalho, inclusive extrapolando a recomendação da Organização Mundial de Saúde, que estabelece um médico para atender cada mil habitantes, não explica a escassez de profissionais no sistema. Vale informar que a média nacional em 2009 era de um médico para cada 570 habitantes, chegando, a 239 em algumas cidades, o que demonstra a distribuição irregular. Outro destaque é que, enquanto na última década o número de médicos cresceu 27%, a população cresceu 12%. Mas não é por falta de médicos que a rede atende mal.
No capítulo referente às especializações, enfrentamos a ausência de incentivo na ampliação do número de vagas dos chamados Programas de Residência Médica, projeto financiado majoritariamente com dinheiro público e regulamentado por lei.
Este projeto não tem sido tratado com a devida importância pelas nossas autoridades, pois, além da baixa remuneração para 60 horas semanais de aprendizado, a crise do sistema interfere no treinamento dos profissionais. Além disso, na maioria das vezes, seus instrutores acumulam a função assistencial sem ganhar nenhum centavo a mais por essa função.
Na verdade, o que falta é uma política de recursos humanos que fixe o médico à rede. Estamos falando de salários e carreira, pois somente desta forma poderemos voltar a incentivar esses médicos, principalmente os mais jovens, a buscar no SUS a opção de vida e do exercício profissional. O mesmo se aplica ao sistema complementar. A fixação desses profissionais depende, conjuntamente, de três fatores: salários, carreira e condições de trabalho.
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